O chefe de Estado guineense nomeou o Major-General Tomás Djassi como seu chefe de Estado-Maior particular. No decreto presidencial, datado de 1º de abril, Umaro Sissoco não justificou a sua decisão.
A nomeação foi prontamente contestada pelos juristas do país, alegando que o cargo de Chefe de Estado-Maior Particular não existe à luz das leis.
Enquanto isso, os partidos da oposição dizem que o mandato presidencial de Sissoco terminou em fevereiro e que ele não tem poderes para assinar decretos presidenciais.
À saída da reunião do Conselho de Ministros, esta quinta-feira (03.04), Sissoco, sem precisar que lei lhe deu poderes para tal nomeação, afirmou que é legal e da competência do Presidente da República.
"O chefe de Estado-Maior Particular do Presidente existe na estrutura militar e existe também na presidência. Cabe ao Comandante Supremo se quer ou não nomear [alguém para o cargo]", disse Sissoco Embaló aos jornalistas, alegando que não foi o primeiro Presidente a fazer este tipo de nomeações.
À DW, o jurista e especialista em leis de defesa e segurança, Augusto Nansambé, afirma que Sissoco Embaló "já não tem poderes para expedir decretos".
DW África: Umaro Sissoco Embaló está ou não a respeitar as leis da Guiné-Bissau?
Augusto Nansambé (AN): Todos nós sabemos que o mandato do Presidente terminou no dia 27 de fevereiro de 2025. Sendo assim, ele já não tem poderes para expedir decretos. Não tem poder nenhum. Todos os decretos que assinou estão feridos, não só de inconstitucionalidade, como de usurpação de função, pois ele permaneceu no cargo sem ter poder nenhum para efetuar nomeações ou exonerações.
DW África: Mas ele continua a exercer plenamente o cargo de Presidente da República…
AN: Sim, continua a exercer as funções de Presidente da República porque estamos perante uma situação de golpe. Constitucionalmente, ele está a exercer o poder de forma inconstitucional. Logo, estamos perante um golpe de Estado. Mesmo que ele tivesse poderes constitucionais legais e estivesse no exercício das funções de Presidente, mesmo que o mandato não tivesse terminado, a nomeação que fez seria ilegal e inconstitucional, porque não existe no nosso ordenamento jurídico-militar, nem no direito comparado, a figura do Chefe de Estado-Maior Particular. A existência do Chefe de Estado-Maior Particular pressupõe a existência de Forças Armadas Particulares. Ora, nós não temos Forças Armadas Particulares, temos sim Forças Armadas Republicanas - que são as Forças Armadas da República da Guiné-Bissau - cujo chefe é o General Biaguê Nan Tan.
DW África: Mas hoje, à saída da reunião do Conselho de Ministros, Umaro Sissoco disse que agiu dentro das leis. Por que acha que ele violou as leis?
AN: Ele deve vir a público provar. No decreto de nomeação, não citou nenhum artigo que, de facto, sustente a sua posição de que existe na Constituição da República ou nas demais leis. Não existe nenhuma disposição legal onde possamos encontrar a figura do Chefe de Estado-Maior Particular. A lei que define os cargos militares é a Lei de Defesa Nacional e das Forças Armadas, de setembro de 1999. E ainda temos a Lei de Base da Organização das Forças Armadas (LOBOFA), de 2009. Nessas normas, não se encontra em nenhum dispositivo legal a figura do Chefe de Estado-Maior Particular.
DW África: Como, quem e onde se pode contestar essas ações de Umaro Sissoco Embaló?
AN: Sissoco não é legalista. Não é alguém que trabalha com as leis. Para ele, as leis não servem. Para ele, a lei só funciona contra outras pessoas. Ele não se importa com as leis, então qualquer oposição legal ou processo competente a nível dos tribunais para contestar aquele decreto, ele não vai acatar, nem vai obedecer à decisão do tribunal.
DW África: Mas ele poderá vir a ser responsabilizado judicialmente pelos crimes que terá cometido no exercício das funções presidenciais?
AN: No futuro, poderá eventualmente responder por vários crimes que cometeu no exercício de sua função. O problema é que o nosso sistema, de facto, blindou o Presidente de várias maneiras. Ainda bem que se trata de um Parlamento inoperante, um Parlamento que não está a funcionar de facto. Se o Parlamento estivesse a funcionar, poder-se-ia mover uma ação política para tentar retirar-lhe a imunidade presidencial, porque só o Parlamento pode retirar a imunidade de um Presidente da República. Também é o Parlamento quem promove a ação contra o Presidente da República no Ministério Público. Então, nesta ótica, vamos ter muita dificuldade em acionar mecanismos, ainda mais falando de um Presidente que está a exercer o poder de facto e que vai utilizar todos os mecanismos, não legais, mas materiais, por via da força, para tentar impor a sua razão. Mas, se deixar de ser Presidente, eventualmente, poderá vir a responder por um conjunto de outros crimes, como usurpação de poderes, abuso de poder e autoridade, infidelidade diplomática, entre outros crimes. Mas, neste preciso momento, vamos ter muitas dificuldades em levar Umaro Sissoco ao banco dos réus.