FONTE: O DEMOCRATA
JULIANO FERNANDES, presidente da COLIDE-GB
O presidente da Convergência Nacional para a Liberdade e o Desenvolvimento (COLIDE – GB), Juliano Fernandes, defendeu a necessidade de, “sem delongas”, se convocarem novas eleições legislativas antecipadas na Guiné-Bissau, sublinhando que, de outro modo, estar-se-ia a subrepticiamente, colocar em causa a soberania do povo em decidir, como manda a democracia representativa, quem legitimamente deve governar em seu nome e representação.
Convidado pelo O Democrata para falar da não marcação da data de eleições legislativas, depois de o Presidente da República Umaro Sissoco Embalo ter dissolvido o Parlamento a 4 de dezembro de 2023, Juliano Fernandesexigiu que diante da mais que “provável falência de todos os mecanismos constitucionais e legais, atendendo ao contexto peculiar de completa deriva, desorientação e baralhação em que o Supremo Tribunal de Justiça (e a justiça, em geral) estão colocados, bem como de solução política sensatamente negociada por falta de vontade e por, salvo o devido respeito, pequenez democrática da classe política detentora do poder político, de facto, as eleições legislativas antecipadas sejam marcadas para serem realizadas até, o mais tardar, o final do primeiro trimestre do corrente ano de 2024”.
O Democrata (OD): O Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, dissolveu o Parlamento há um mês. Mas não marcou a data das Eleições legislativas antecipadas. Qual é a sua opinião sobre os limites temporais para a dissolução do Parlamento e a não marcação até hoje, da data das eleições antecipadas?
Juliano Fernandes (JF): Os limites temporais para a dissolução do parlamento são, nos termos do estabelecido na Constituição da República, quatro (04):
1 – Nos primeiros 12 (doze) meses, a contar da eleição legislativa anterior (início da legislatura) o Parlamento não pode ser dissolvido, sob qualquer pretexto e fundamento. Ou seja, durante esse período, o Presidente da República não pode dissolver o Parlamento. Aqui, a Constituição da República não dá quaisquer margens, nem pretextos, nem fundamentos para que tal aconteça. Por maior que seja uma eventual crise política que ocorra;
2 – Nos 6 (seis) meses restantes do mandato do Presidente da República; 3 – Durante a vigência do Estado de Sítio e 4 – Durante a vigência do Estado de Emergência.
O significado disto é que, mesmo em situações de excecional gravidade que levem ao decretamento do estado de sítio e do estado de emergência (ou, justamente, por isso), não pode o Parlamento ser dissolvido. O Presidente da República não pode dissolver a Assembleia.
Trata-se de uma proibição determinada pela Constituição da República (Lei Magna). Ora, nem numa situação como a que sucedeu nos dias 30 de Novembro e 1 de Dezembro de 2023 que o Senhor Presidente da República considerou de tentativa de golpe de estado, e que, a ser verdade – que, esperemos, seja provada, por A + B – consubstanciaria uma situação de excecional gravidade – a Constituição da República proíbe que seja dissolvida a Assembleia Nacional Popular, por não ter decorrido o prazo de 12 meses, desde que houve eleições a 4 de junho de 2023.
Tendo-o feito, em clara, frontal e intencional violação da Constituição da República, o Senhor Presidente da República deve assumir toda a responsabilidade política e social perante o país e o povo guineense, por esse seu ato absolutamente inconstitucional.
E deve, por isso, no âmbito da sua responsabilidade para com o povo que o elegeu, tudo fazer, independente de o Supremo Tribunal de Justiça vir a pronunciar-se, quando para tal preencher as condições em termos de quórum e independência, sobre a conformidade constitucional ou não do decreto pelo qual dissolveu a ANP, para de per si e sua livre iniciativa, fazer prova de sua cultura democrática e repor a ordem constitucional assim lesada.
OD: De acordo com a Constituição, em caso de dissolução do Parlamento, as eleições legislativas antecipadas devem ser realizadas em 90 dias. Na opinião da COLIDE, o país está em condições de realizar as eleições dentro destes prazos? Qual será a saída do atual imbróglio político decorrente do derrube da ANP?
JF: A Constituição da República não estabelece qualquer prazo para a realização de eleições legislativas, em caso de dissolução do Parlamento, ao contrário do que sucede, em caso de vacatura do cargo de Presidente da República, em que, aqui sim, a Constituição manda que as eleições presidenciais se realizem no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data da vacatura.
Importa contudo, esclarecer que a questão relativa ao prazo de 90 dias a que recorrentemente se refere é suscitada, não pela Constituição da República, mas pela lei eleitoral. E o que a lei eleitoral diz não é deverem ser as eleições legislativas realizadas no prazo de 90 dias.
Na verdade, o que a lei eleitoral quer significar com este prazo é que quando o Presidente da República tiver de marcar eleições (no caso, em epígrafe, eleições legislativas) o decreto que fixa a data deve ser proferido, com a antecedência mínima de 90 dias, em relação à data (ao dia) da votação.
Tem-se aqui em consideração os procedimentos e atividades prévias essenciais, a levar a efeito pelas autoridades responsáveis pela gestão do processo eleitoral, nomeadamente a CNE, incluindo as candidaturas a deputados e sua apreciação e decisão pelo STJ, a campanha eleitoral, etc.
Todavia, cumpre enaltecer que não deve um governo que subsista à dissolução do Parlamento, permanecer em exercício por um longo tempo. Designadamente quando o fim originariamente previsto da legislatura em curso, a contar das eleições legislativas que lhe deram início, ainda devesse perdurar por muito tempo. Isso é de extrema relevância jurídico-constitucional, democrática e política. Porquanto de conformidade com aquilo que é o espírito da lei.
Até em obediência aos princípios constitucionais que subjazem à legitimidade democrática para o exercício de poderes do estado pelos titulares de cargos eletivos e aos limites de mandatos e de legislaturas, de alternância política, etc.
São exemplos disso um governo demitido, e em consequência, da dissolução do Parlamento, ou o que, em determinadas circunstâncias, é nomeado por iniciativa presidencial. Este último fora do quadro constitucional decorrente dos resultados eleitorais.
Sublinhe-se que a dissolução do Parlamento comporta o encurtamento da legislatura corrente. dado que as eleições legislativas representam um marco em que o povo é chamado a, soberanamente, conferir legitimidade e mandato a quem (partido ou coligação de partidos) cujo programa julgue correspetivo às suas legítimas aspirações e expectativas e aos seus desígnios para governar durante a legislatura, sempre que esta for posta em causa, esse mesmo povo deve ser chamado, com a brevidade necessária a, através de eleições legislativas antecipadas, pronunciar-se em última instância sobre a justeza e a justificação, ou não, da decisão de dissolução do Parlamento.
Daí a necessidade de, sem delongas, convocar novas eleições. De outro modo, estar-se-ia a, subrepticiamente, colocar em causa a soberania do povo em decidir, como manda a democracia representativa quem legitimamente deve governar em seu nome e representação.
Recordo que neste tocante, o COLIDE-GB exigiu no seu último comunicado (e o reitera nesta oportunidade), que diante da mais que provável falência de todos os mecanismos constitucionais e legais, atendendo ao contexto peculiar de completa deriva, desorientação e baralhação em que o Supremo Tribunal de Justiça (e a justiça, em geral) está colocado, bem como de solução política sensatamente negociada por falta de vontade e por, salvo o devido respeito, pequenez democrática da classe política, detentora do poder político, de facto, as eleições legislativas antecipadas sejam marcadas, para serem realizadas, até, o mais tardar, o final do primeiro trimestre do corrente ano de 2024.
OD: O derrube da ANP parece agudizar ainda mais a situação política. O secretariado da CNE continua caduco. Que saídas para a caducidade do secretariado da CNE, uma vez que não temos um Parlamento em funcionamento?
JF: A COLIDE-GB exige a recomposição sem delongas e no imediato, da Direção Executiva da CNE para que, insuflada de legitimidade renovada, possa proceder à gestão do próximo processo eleitoral.
A COLIDE-GB propõe que tanto a recomposição do Supremo Tribunal de Justiça, quanto a da Direção Executiva da CNE, assim como a reposição da Ordem Constitucional e do normal funcionamento da democracia e das Instituições da República, sejam levadas a efeito diante do mais que previsível emperrar e bloqueio do processo que deveria ser consentäneo com o estabelecido na Constituição e nas Leis da República, gerados pelas razões sublinhadas na resposta à questão anterior, através de um quadro processual de Diálogo Inclusivo Nacional (DINAC – GB).
OD: Em caso da marcação das novas eleições, a COLIDE estará disponível para ir às eleições com o atual secretariado da CNE?
JF: O ideal, para a COLIDE-GB, é que haja, nos termos propostos na resposta à questão anterior, o refrescamento da legitimidade e do mandato da Direção Executiva da CNE, em respeito ao disposto nas leis que regem as eleições no nosso país. Todavia, iremos às eleições em quaisquer circunstâncias que se impuserem, inelutavelmente.
Não somos nem pretendemos ser, a despeito da defesa intransigente dos princípios e dos valores da legalidade democrática que é nosso apanágio, uma força de bloqueio, nem participamos de quaisquer estratégias de constituição de coligações e de maiorias negativas para suplantar os ditames soberanos do povo. Somos um partido democrático e porque sobretudo, hoje mais do que nunca, urge oferecer ao povo da Guiné-Bissau uma alternativa política e de governação credível.
Alternativa essa que labore finalmente, no sentido da afirmação do estado de direito democrático, dos direitos, liberdades e garantias fundamentais, da justiça, do desenvolvimento económico que proporcione o bem-estar socioeconómico do nosso povo e da Organização do Estado da Guiné-Bissau, assente em pilares da legalidade democrática. Tudo sob pano de fundo da unidade e coesão nacionais das populações guineenses, na sua múltipla diversidade.
Somos construtores de pontes e juramos fazer oposição séria, construtiva, contributiva e colaborativa no que aos interesses superiores do país e à resolução dos problemas com que o povo se confronta, visando a construção da sua prosperidade e dar “mindjor vida pa nós tudu”, diz respeito, sempre na base do respeito da constituição e das leis da República.
OD: A COLIDE apoia a ideia de o país realizar eleições gerais em 2025?
JF: Não! A 29 de Setembro de 2023, por ocasião da celebração do segundo aniversário do partido, dissemo-lo, de forma clara e inequívoca. Somos a favor – e lutamos com todas as nossas forças, para que isso vinque no nosso país – da estabilidade dos ciclos eleitorais e dos mandatos eletivos, tal e qual substanciados na Constituição e nas Leis da República.
Por isso somos contra o uso de força e violência para se aceder ao poder, manter-se no poder ou tirar alguém do poder. Realizar eleições gerais por essa altura, representará uma violação gravosa dos limites de duração da legislatura que, como, por todos consabidos, é de quatro anos, a contar do anúncio dos resultados definitivos das eleições legislativas e do mandato do Presidente da República que é de cinco anos, a contar da tomada de posse do Presidente eleito.
Pior será, nas circunstâncias atuais em que a Assembleia foi dissolvida e nem a Comissão Permanente da mesma é permitida funcionar e, com isso, a XI legislatura foi ferida de morte, vir a pretender realizar as eleições legislativas dois anos depois.
As consequências lesivas a Constituição da República seriam as mesmas, se o mandado do senhor Presidente da República for prorrogado, de Fevereiro de 2025, para, 2026. Altura em que, se as eleições forem realizadas a 25 de novembro de 2025, mesmo não havendo segunda volta, o novo presidente eleito nessas eleições tomaria posse.
OD: O prazo para a atualização de cadernos eleitorais havia sido anunciado pela anterior direção de GTAPE, mas nas últimas semanas a nova direção afirmou que a anterior direção não conseguiu dar seguimento aos trabalhos. A Colide está disposta a ir às eleições sem a atualização de cadernos eleitorais? Que consenso é necessário sobre esta matéria para que as eleições legislativas antecipadas sejam livres, justas e transparentes?
JF: Quanto a isso já nos está a escapar o tempo. A lei manda que a atualização dos cadernos eleitorais seja feita nos meses de janeiro e fevereiro de cada ano, no território nacional e nos meses de janeiro, fevereiro e março, na diáspora. Há urgente necessidade de se proceder à essa atualização. Primeiro, para se cumprir a lei.
Segundo, para que os cidadãos guineenses que atinjam a idade requerida e adquiram a legitimidade eleitoral ativa e passiva possam cumprir o seu dever cívico-legal de se recensearem e o seu direito de votar e serem votados.
Em última instância, no âmbito do Diálogo Inclusivo Nacional entre nós guineenses, (DINAC – GB) que propomos, teremos de ser capazes de desbloquear o país e avançar naquela direção.