FONTE: RFI
O antigo primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Nuno Nabiam, afirmou num comício político, no norte do país, que há sinais de que a droga está a circular em abundância no país. O ministro guineense do Interior, Botche Candé, rejeitou as acusações, referindo-se às palavras de Nuno Nabiam como um “acto de traição”. Gueri Gomes Lopes, coordenador nacional do Fórum das Organizações da Sociedade Civil da África Ocidental,considera que se tratam de afirmações graves que merecem uma investigação.
RFI: O antigo primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Nuno Nabiam, afirmou num comício político, no norte do país, que há sinais de que a droga está a circular em abundância no país. Que comentário lhe merece esta afirmação?
Gueri Gomes Lopes, Coordenador Nacional do Fórum das Organizações da Sociedade Civil da África Ocidental:
É uma afirmação muito grave que deve ser traduzida numa denúncia e isso deveria exigir da parte do Ministério Público uma tentativa em ouvir o ex-primeiro-ministro. É uma afirmação que vem de um cidadão que ocupou o cargo de chefe do executivo e é conselheiro do Presidente da República. Este senhor deve estar em posse de alguma informação e, ao fazer essas declarações, deve constituir preocupação para o Estado da Guiné-Bissau, sobretudo para as entidades responsáveis. A reacção do ministro do Interior é lamentável, uma vez que não se trata de uma traição. O Ministério do Interior e o Ministério Público tinham de se preocupar em chamar essa pessoa [Nuno Nabiam], procurando obter mais informações sobre a denúncia que fez.
O Ministro guineense do Interior deu orientações a todos os agentes da polícia no sentido de investigarem e apresentarem provas da existência ou não de droga no país. Botche Candé acrescentou ainda que, se ficar provado que não há droga na Guiné-Bissau, o Ministério Público deve convocar Nuno Nabiam para que seja responsabilizado. É o procedimento normal?
Não é normal. Não tinha de ser o ministro do Interior a proferir essas declarações, tinha de ser uma decisão séria. Uma decisão responsável.
Quando fala de uma decisão séria e responsável, seria da parte de quem?
Do Ministério Público co-ajudado pela Polícia Judiciária, a instituição que tem competência de investigação deste tipo de processo de droga. O Ministério do Interior também se pode associar, mas não deve ser apenas o ministro a proferir essas declarações. Estas declarações não garantem nenhuma credibilidade do engajamento - tanto do Ministério como do Governo- com esta denúncia do ex-primeiro-ministro da Guiné-Bissau.
O antigo primeiro-ministro da Guiné-Bissau, Nuno Nabiam, chega mesmo a pedir ajuda à Comunidade Internacional. Isto revela que as autoridades guineenses não têm capacidade para lutar contra o flagelo da droga?
É claro, nós temos vários indicadores disso. Houve casos de droga aqui na Guiné-Bissau em que, mesmo com a apreensão dessas drogas, o Estado não conseguiu responsabilizar as pessoas que foram detidas ao longo deste processo. Com a fragilidade do nosso sector da Justiça, das entidades que fazem investigação, mostra uma fragilidade do Estado em poder lidar com essas situações. Há ainda a questão da seriedade política dos dirigentes em assumir a questão da droga como uma luta séria. Por isso, quando se fala que a Guiné-Bissau é um narco-Estado, por vezes, acabamos por aceitar. Nós temos um Estado onde - quando se fala de droga - é possível ver os titulares dos órgãos de soberania a interferir no processo de forma ilegal e abusiva, com vista a obstruir o processo judicial.
A imagem da Guiné-Bissau está muitas vezes associada ao tráfico de droga. Nuno Nabiam foi primeiro-ministro do país. Porque é que só agora faz estas afirmações?
É uma questão que todos nós, guineenses, colocamos a Nuno Nabiam. Mas é compreensível, uma vez que vivemos um contexto político muito tenso em que cada qual luta e coloca tudo para tirar proveito. Talvez o ex-primeiro-ministro tendo essas informações achou por bem fazer essa denúncia como forma de tirar proveito dessa situação. Ou então também podemos estar face a uma situação desconhecida. Isto porque se analisarmos a sua declaração percebemos que, apesar de ser conselheiro do Presidente e do seu partido [APU-PDGB] estar associado ao actual regime, há uma situação de constrangimento da relação entre o partido de Nuno Nabiam e os que estão a liderar o regime.
Em Setembro do ano passado, as autoridades guineenses anunciaram a apreensão de cerca de 80 quilos de cocaína. Duas semanas depois, surgiram nas redes sociais gravações polémicas, sugerindo que as quantidades de droga apreendida seriam superiores - cerca de 600 quilos - mas que teriam ficado na posse do ministro guineense do Interior e da Procuradoria-Geral da República. Há sempre estes episódios que acabam, de certa forma, por expor as autoridades guineenses…
É claro. Nós temos casos em que houve acusações e “vazamento” de informação nas quais surgia o nome do ministro do Interior. No comunicado do PRS e do APU-PDGB eles chamam a atenção para esse processo.
Como é que se explica que estes casos não sejam resolvidos?
Nós temos um serviço judicial muito frágil. A nossa administração da Justiça está praticamente sequestrada pelo poder político. No caso da operação “Navarra”, uma decisão do Tribunal Superior acabou por ilibar os arguidos nesse processo.
O Secretário de Estado da Ordem Pública, José Carlos Macedo, disse que as declarações de Nuno Nabiam põem em causa a imagem do país e do Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló. Concorda com estas afirmações?
Essa afirmação põe em causa a imagem do país. Seria muito mais prudente se o antigo primeiro-ministro fizesse uma denúncia junto das entidades competentes. Todavia, não se sabe o porquê de ele ter optado por fazer uma denúncia pública. Poderia estar preocupado com a falta de seriedade das instituições para dar seguimento a esta denúncia. Penso que as instituições com competência, nomeadamente o Ministério Público, devem assumir este processo com responsabilidade, fazer investigação e depois apresentar resultados. Se for comprovada a denúncia do ex-primeiro-ministro, as pessoas devem ser responsabilizadas. Isso trará uma boa imagem da Guiné-Bissau e do próprio Presidente da República.