FONTE: DEUTSCHE WELLE
O Parlamento não tem culpa da instabilidade política na Guiné-Bissau, diz um analista à DW. O Presidente Umaro Sissoco Embaló é que estará a praticar um "golpe constitucional" e "o povo tem de dizer basta".
Num dia em que paira "uma nuvem negra" na política guineense com a dissolução do Parlamento pelo Presidente da República, o jornalista e analista Armando Lona classifica o ato de Umaro Sissoco Embaló como uma "tentativa de golpe de Estado" constitucional.
Lona lembra que a Constituição guineense prevê que "não se pode dissolver o Parlamento antes de 12 meses depois da sua investidura". Além disso, o chefe de Estado só pode dissolver a Assembleia Nacional Popular "até seis meses antes do fim do seu mandato". E neste caso, o mandato Sissoco Embaló termina em fevereiro de 2024.
O jornalista Armando Lona considera que chegou o momento de o povo guineense "dizer basta" às constantes crises políticas na Guiné-Bissau.
DW África: Como analisa a decisão de Umaro Sissoco Embaló de dissolver o Parlamento?
Armando Lona (AL): Estamos perante uma tentativa de golpe de Estado, porque a Constituição é explícita quanto à temporalidade para o derrube de um Governo.
DW África: Quer com isso dizer que o próprio Presidente, ao dissolver o Parlamento, está a cometer um golpe de Estado?
AL: Está a praticar um golpe constitucional. As justificações apresentadas servem apenas para sustentar o seu ato. Mas é um golpe, à luz da Constituição.
DW África: A dissolução é uma ilegalidade?
AL: Sim, há a garantia constitucional de que o Parlamento não pode ser dissolvido nos primeiros doze meses [em funções]. E o Presidente também não pode dissolver o Parlamento a menos de seis meses [do fim] do seu mandato.
DW África: O Presidente da República disse que dissolveu o Parlamento porque houve deputados que teriam protegido o ministro da Economia e Finanças, envolvido numa polémica sobre um pagamento a várias empresas…
AL: Como medimos essa proteção? O ministro não é deputado em exercício. Se fosse um deputado, poderia alegar-se uma proteção dos colegas no Parlamento face a um pedido de levantamento da imunidade, por exemplo. Mas estamos a falar de um ministro, que foi ouvido no Parlamento, e houve um debate parlamentar depois da audição. Considerar as opiniões dos deputados como "proteção" não é um argumento apropriado.
DW África: Numa altura em que se avolumam as críticas à atitude do Presidente da República - e com o presidente do Parlamento guineense, Domingos Simões Pereira, a dizer que o povo deve lutar pelas suas conquistas - que cenário se pode projetar para o país, nos próximos tempos?
AL: Um golpe constitucional, ou qualquer que seja a natureza do golpe, é uma afronta ao povo, porque o povo tem uma Carta Magna, que é a Constituição. O que aconteceu vai ter uma resposta popular…
DW África: Isso significa o quê?
AL: Quando o líder da coligação [no poder, Domingos Simões Pereira] diz que a Constituição foi agredida, cabe a esse grupo político defender a Constituição. Por outro lado, o próprio povo tem de defender a sua conquista democrática. Chegou o momento de o povo guineense, no seu todo, dizer "basta".
DW África: Mas como é que isso poderá ser feito num Estado com uma aparente tendência para ser mais militarizado?
AL: Os militares são um poder, mas o poder é do povo. As Forças Armadas são do povo e uma das suas missões é proteger a Constituição. Portanto, também é responsabilidade das Forças Armadas defender a democracia. Não podem estar contra o povo, nem contra a Constituição. Não se pode almejar prosperidade e bem-estar para cada guineense se não garantirmos estabilidade política e governativa.