FONTE: O Democrata
NOTA DC: Abdu Jarju foi o chefe da secreta gambiana na embaixada em Bissau, e depois nomeado embaixador da Gâmbia para a Guiné-Bissau e Cabo Verde.
O Professor universitário e especialista em segurança e relações internacionais, Abdu Jarju, afirmou que a presença de contingentes das forças militares da Comunidade Económica dos Países da África Ocidental (CEDEAO) na Guiné-Bissau e na Gâmbia revela a fraqueza dos dois países, acrescentando, neste particular, que são os países pequenos e que, em termos de segurança e da capacidade militar, as suas forças de defesa e segurança estão desestruturadas. “Quando um país não tem forças armadas à altura de proteger os seus cidadãos, o qualitativo republicano vai ter sempre problemas. Os casos da Guiné-Bissau e da Gâmbia são casos específicos. Por isso, não considero essas forças, forças de estabilização, mas sim de ocupação”, disse, lembrando que na segunda guerra mundial, os Estados Unidos da América tinham as suas forças estacionadas em França, mas no fim, o povo francês mandou-as embora, frisando que no caso da Gâmbia, Adama Barrow vai completar os seus dois mandatos sob a ocupação das forças da CEDEAO e do Senegal. Assegurou que a presença das forças militares estrangeiras no território de um país prova que o regime no poder não é capaz de criar consensos internos, acrescentando que “enquanto admitirmos as presenças de forças estrangeiras nos nossos territórios, não haverá desenvolvimento nenhum, porque tiram-nos um aspeto da soberania. A soberania é constituída por três elementos fundamentais, nomeadamente a defesa, a política externa e a moeda”, insistiu.
A CEDEAO dispõe de um contingente militar de 650 efetivos instalados na Guiné-Bissau desde o mês de maio de 2022, cuja missão é ajudar na estabilização do país. A Gâmbia conta com uma força militar da CEDEAO desde 2016, devido à crise política que resultou na negação dos resultados eleitorais da parte do antigo Presidente, Yahya Jammeh. O analista para assuntos políticos e da sub-região fez estas observações na entrevista ao nosso jornal para falar das razões da criação da Aliança do Sahel, uma organização que engloba o Mali, o Burkina Faso e o Níger, países atualmente dirigidos por regimes militares e que estão sob as sanções da CEDEAO.
O Democrata (OD): Depois do golpe de Estado no Níger, a situação na sub-região parecia estar calma, mas os eventos de 26 de novembro na Serra Leoa e de 01 de dezembro na Guiné-Bissau revelam que nem tudo está calmo. O que é que o nosso bloco poderá enfrentar nos próximos tempos, se os regimes no poder continuarem hostis e a não facilitar a vida aos opositores?
Abdu Jarju (AB): É uma pergunta muita circunscrita, deve ser mais alargada para ver quais são as causas que nos levam a isso. Os regimes não estão a trabalhar para os povos. Quando o regime não trabalha para o progresso e bem-estar do seu povo, sempre vai enfrentar problemas, e porquê? Porque quando o regime está a trabalhar para as forças externas e para a sua sobrevivência em vez de para o bem-estar do povo, cria problemas. Outro aspeto, é que os regimes sustentam a corrupção a uma escala tão grande e têm medo de abandonar o poder e são hostis a qualquer opositor que vai apresentar-se com um discurso de defender o povo e de proteger o bem. Essa situação faz com que haja uma luta muito grande entre os opositores e aqueles que estão no poder. Têm medo de abandonar o poder, porque acham que quando abandonarem o poder serão perseguidos pelo novo regime.
OD: A CEDEAO parece, no meio de tudo isso, ser uma figura impotente que não consegue condenar as ações e atrocidades que são cometidas pelos regimes em vigor. Tudo isso deve-se a quê?
AJ: Eu vou dizer que estamos à espera da certidão de óbito da CEDEAO. Para mim, a CEDEAO não vai aguentar por mais tempo. As razões são simples, como se diz na língua francesa, quem paga, manda. Quando a CEDEAO não é capaz de se autofinanciar e que receba financiamentos externos, o que significa que as suas decisões serão sempre telecomandadas. O segundo aspecto, é o princípio de padrões duplos. Quando há golpe num país, a CEDEAO é muito suave e quando há noutro condena. Estas situações de padrões duplos vão fazer com que a CEDEAO enfrente a fraqueza que está a enfrentar. A CEDEAO fica impotente a algumas situações, porque os interesses do imperialismo já se jogam. Nos países onde os interesses de imperialistas são relevantes, a CEDEAO será impotente, porque as suas decisões serão ditadas pela França e pela União Europeia. Nestas circunstâncias, ela fica impotente e o que resta à CEDEAO é a sua desintegração.
OD: No caso da Guiné-Bissau, a posição da CEDEAO é apenas de condenar a ação da Guarda Nacional e a dissolução da ANP, mas não se fala praticamente dos mecanismos para o retorno à ordem constitucional e parece ser uma rotina e essa organização jogar a favor dos regimes?
AJ: Eu estive muito mais categórico sobre a Guiné-Bissau. Aquilo que eu vi não era uma condenação do parlamento, mas uma condenação de atuação da Guarda Nacional. A segunda coisa que se deve notar no comunicado, a CEDEAO congratulou-se com a atuação das Forças leais. A CEDEAO está consciente do sistema do regime em vigor na Guiné-Bissau, mas fingiu que não percebeu nada desse regime e que, quando fala da constitucionalidade, aqui está a referir-se à instituição da Presidência da República. Eu acho que, quando as pessoas interpretam o comunicado como uma condenação à dissolução do Parlamento, eu diria não, porque esta parte da condenação que eu não acredito que é, é muito subjetiva, porque não é claro como fez com o ponto que se refere à atuação da Guarda Nacional. A parte da dissolução do parlamento pode ser submetida a interpretação e aqui, para a minha interpretação, eu vi que a CEDEAO inclinou-se para condenar o ato de 1 de dezembro, mas o ato da dissolução do Parlamento calou-se e não disse nada. A linguagem não foi clara, é ambígua e ninguém pode saber se é condenação ou não. Então, não se pode esperar que a CEDEAO vá dizer os mecanismos que vamos seguir para voltar ao status quo antes do dia 1 de dezembro. Isso não acredito e não vi no comunicado. Os regimes internos são livres de aceitar aquilo que querem aceitar da comunidade internacional, do direito internacional ou das organizações internacionais. Quando essas decisões lhes favorecem, acatam e quando não lhes favorecem, invocam o princípio da soberania e que a lei interna está acima das leis internacionais. Partimos da hipótese que todos os intervenientes na Guiné-Bissau são patriotas, democráticos e gostam do seu povo. Aqui se fala do Estado de Direito, eu não vi em nenhuma circunstância que as pessoas não se podem sentar, discutir e procurar uma saída. Como disse o autor George Owel, “a democracia não pode prosperar, onde não haja consensos ou onde não seja possível construir consensos. Eu acho que este é o papel fundamental dos atores guineenses. Saber que todos são patriotas, amam o seu povo e são patriotas. Portanto, existe a possibilidade para se sentar, discutir e encontrar soluções.
OD: Por que é que a CEDEAO continua desequilibrada na tomada de posições em relação a alguns países, nomeadamente a Guiné-Conacri, o Mali, o Burkina Faso e o Senegal?
AJ: Exatamente, é isso que eu disse sobre o princípio de padrões duplos. Nós apreciamos a posição da CEDEAO na Guiné- Conacri e não é a mesma posição que observamos em outros países como no Mali, no Burkina Faso e particularmente o Níger. A razão é muito simples, é devido aos interesses de potências externas e sobretudo da França. A CEDEAO está paralisada, porque tem posições variantes em relação aos acontecimentos nos Estados membros. Há divergências entre o grupo anglófono e francófono, e dentre esses grupos registam-se também divergências. Por isso, os países da CEDEAO não conseguem andar juntos. A CEDEAO tem uma divisão e não se solidariza com outros países, tal como acontece com a União Europeia. Como costumo dizer, a CEDEAO é uma associação dos presidentes que esquece o povo, e, por isso, é destinada à morte.
OD: Por exemplo, em relação à Gâmbia e à Guiné-Bissau, a CEDEAO sempre teve uma reação e enviou forças militares para a estabilização. Esse desequilíbrio poderá minar ou fazer desaparecer a CEDEAO?
AJ: Em primeiro lugar, essa situação revela a fraqueza dos dois países. São os menores países e em termos de segurança e de capacidade militar, as suas forças de defesa e segurança estão desestruturadas. Quando um país não tem forças armadas à altura de proteger os seus cidadãos o qualitativo republicano vai ter sempre problemas. Os casos da Guiné-Bissau e da Gâmbia são casos específicos. Não considero essas forças, forças de estabilização, mas sim de ocupação. Na segunda guerra mundial, os Estados Unidos da América tinham as suas forças estacionadas em França, mas no fim o povo francês mandou-as embora. No caso da Gâmbia, Adama Barrow vai completar os seus dois mandatos sob a ocupação das forças da CEDEAO e do Senegal. Isto prova que o atual regime não é capaz de criar consensos internos. Enquanto admitirmos as presenças de forças estrangeiras nos nossos territórios, não haverá desenvolvimento nenhum, porque tiram-nos um aspeto da soberania. A soberania é constituída por três elementos, nomeadamente a defesa, a política externa e a moeda. A Guiné-Bissau não tem moeda própria, logo neste aspeto não é soberana e pode perder a sua segunda soberania se sua defesa e a sua segurança interna continuarem a ser garantidas por forças externas. A nível da sua política externa, é duvidoso que a Guiné-Bissau tome as suas decisões ou não. Se for o caso, que a Guiné-Bissau diversifique a sua cooperação militar. Imagine que a Guiné-Bissau decida diversificar a sua cooperação e convidar a Rússia, o que vai acontecer? Os Europeus vão dizer que nós não podemos continuar com isso, o que quer dizer que tanto a Guiné-Bissau como a Gâmbia não têm nenhuma soberania, se esses três elementos não funcionam. Nós na Gâmbia, não temos a nossa política externa a funcionar, porque estamos submetidos a quatro vontades do Senegal. Se o Senegal se posicionar contra a escolha estratégica do nosso país, a Gâmbia não pode cooperar. Embora o atual esteja a trabalhar para não perdermos a nossa moeda, precisamos lutar para não perder este último elemento da nossa soberania que nos resta.
OD: Está-se a criar uma nova organização a nível sub-regional, os regimes militares do Mali, Burkina Faso e Níger assinaram em setembro deste ano uma carta que estabelece uma aliança defensiva que poderá não só integrar a Guiné-Conacri, o Mali, o Burkina Faso e o Níger, bem como outros países da sub-região. Que implicações económicas, políticas, sociais e segurança, militar, isso terá?
AJ: Para ser específico, foi a 16 de novembro deste ano que o Mali, o Burkina Faso e o Níger assinaram a carta de uma nova organização, Aliança dos Estados do Sahel, que terá como prioridade a segurança do seu povo. A CEDEAO, se apreciarmos muito bem, desde o início da sua criação teve como centro das suas atenções a economia, a integração regional económica. Quando se cria uma organização com o objetivo económico está-se a colocar a matéria em cima das pessoas, recursos humanos. Significa que para a CEDEAO, o mais importante é a economia, não os povos. No caso da organização Aliança dos Estados do Sahel, tudo é ao contrário. Nessa organização em fase embrionária, começou-se pela segurança e defesa dos povos. Os Europeus venderam-nos uma narrativa de que com a democracia, os nossos problemas estariam resolvidos, mas contribuíram na destruição da segurança em África, sem que tenhamos capacidade de perceber que estão a conduzir-nos para a insegurança. Alguma vez ouviu o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional a financiarem os países africanos para compra de armamentos? Nunca. Dão dinheiro e ditam regras e áreas em que este dinheiro deve ser aplicado. Neste momento, o nosso maior problema é garantir a segurança do nosso bloco e do continente africano. Foi exatamente o que a Aliança começou a fazer, a segurança e a defesa comum e depois atacar outros passos. Depois da assinatura da carta da defesa comum, os ministros dos negócios estrangeiros dos países signatários do acordo reuniram-se para analisar o aspeto político, a seguir realizou-se a reunião dos ministros da economia e das finanças dos três países. Fez-se recentemente uma reunião dos ministros dos transportes. O processo de criação da Aliança começou com a defesa comum, segurança, aspetos económicos e agora transportes. Isto quer dizer que essa organização está a trabalhar para satisfazer os interesses dos seus povos. A organização inspirou-se na política externa do Mali que tem três aspetos fundamentais: o respeito obrigatório pela soberania do Mali, da escolha estratégica dos países da Aliança e dos interesses dos povos dos países membros da organização. Os países interessados deverão cooperar e respeitar os três elementos estratégicos da Aliança. Essa Aliança é uma ameaça evidente para a CEDEAO, que está atrapalhada devido ao surgimento daquela organização. É uma organização que está num espaço geográfico de um milhão e novecentos quilómetros quadrados, portanto não uma Aliança de brincadeira. Se estão numa confederação e já estão a pensar numa federação. Imagine uma federação de três milhões de quilómetros quadrados com uma capacidade e poderio militar que hoje em dias está a ser desenvolvido nesse espaço como o apoio de países como a Rússia, o que será no futuro. Se decidirem andar juntos e equipar as suas forças de segurança muito bem, vão conseguir proteger os seus interesses económicos, políticos, vão ser proprietários da sua política externa e tornar-se-ão numa força. Estava a dizer que a CEDEAO está atrapalhada. Burkina, Mali e Níger estão sob sanções da CEDEAO e de repente é a própria C EDEAO que anuncia um apoio de um milhão e oitocentos mil dólares ao Mali para lutar contra o terrorismo, ao Burkina dois milhões e ao Níger um milhão e oitocentos dólares. É um absurdo. Como este dinheiro vai ser canalizado para estes países, se estão sob sanções? Ou levanta as sanções! Isso prova que a CEDEAO está atrapalhada e está com medo que essa Aliança vá acabar com essa organização. Se há 12 anos não criou condições para lutar contra esse fenómeno, nem uma única assistência deu aos confrontados com o terrorismo e agora que eles estão a braços com sanções, a CEDEAO anuncia apoios a esses países. Porque só agora, depois de desses assinarem uma Aliança? O medo principal da CEDEAO é a França. A França sabe que os três países vão sair do Franco CFA, que a moeda lançada há semana passada, o câmbio de um Sahel vai ser mil francos CFA, equivalente a 1,5 euros. Imagine a potência desta moeda na nossa sub-região, todos os países vão aderi-la. Para quem ignore a questão geopolítica, estes países já estão a construir fábricas e refinarias do seu ouro e quando começarem a produzir as ligas de ouro acabado, é este ouro que vai ser a garantia da moeda que será mais potente que o euro, o dólar e o franco CFA. Essa visão estratégica colocou a França e a CEDEAO em pânico. Porque é uma das razões por que Muammar Muhammad Abu Minyar al-Gaddafi foi morto em 2011, porque queria uma moeda africana encostada ao ouro da Líbia. A Líbia tinha mais ouro e é a mesma coisa que vai acontecer. O que quer dizer que há implicações políticas e de segurança. Os países que já haviam anunciado guerra contra o Níger podem ter uma resposta adequada, porque será contra a Aliança do Sahel. O Mali e o Burkina já disseram que quem atacar o Níger é uma declaração de guerra contra a Aliança. Significa que se os países do Ocidente insistirem em fazer guerra na sub-região vai haver uma guerra. O Mali já está a falar de mísseis para cada capital dos estados membros da CEDEAO. Estão a criar condições para desestabilizar toda a CEDEAO.
OD: Corre-se o risco de o nosso bloco ter duas organizações e provavelmente duas forças militares. É um bom sinal com entrada do terrorismo em várias zonas da África?
AJ: Eu acho que a nova aliança do Sahel tem mais possibilidades para se transformar numa organização com futuro, porque as razões são simples. O tratado assinado para a constituição da aliança diz: Não há nenhuma forma que a aliança possa receber o financiamento de fora, mas sim vai autofinanciar-se. Quando uma organização se autofinancia ou se tem capacidade económica, estará em condições de decidir-se livremente, mas se alguém ou uma organização paga as suas despesas para sobreviver, aí aquela pessoa ou organização não terá as condições para decidir. E ao contrário da CEDEAO que aceita financiamento do exterior, por isso é que também está a caminhar para a morte. A CEDEAO, na sua cimeira, encontra-se apenas os europeus que não são da sua zona, de um lado, e do outro lado, transformou-se agora num clube ou sindicato dos chefes de Estado e se interessa mais em defender os seus pares em detrimento do povo. A aliança está a afirmar-se como um protetor do povo, de valores do pan-africanismo e da independência africana e certamente vai sobreviver e tornar-se numa organização com maior influência.
OD: A CEDEAO é criticada por submeter-se a recomendações externas…
AJ: É isso que estou a referir-me. A CEDEAO toma decisões encomendadas pela França e pela União Europeia, porque é a União Europeia que financia a CEDEAO e esta é a razão que a leva a assistir a reuniões da CEDEAO. Quem é africano que assiste a reunião da Comissão Europeia, ninguém!? No caso da Aliança, a organização recentemente criada, isso nunca vai acontecer, porque são países que decidiram que jamais aceitarão fundos externos para sobreviver e decidiram que vão trabalhar para os seus povos. Quero explicar as causas que estão a provocar os golpes de Estado na sub-região. É quando os regimes que ocupam o poder hoje não são transportes para o povo. Quando o povo ignora aquilo que o regime faz do poder que é uma propriedade soberana do povo. Se o regime não for transparente na gestão das finanças e não comunicar ao povo sobre a gestão do país, então pode esperar o golpe de Estado e o povo nunca vai defender o regime.
OD: A CEDEAO deve ou não ser reformada? A reforma começaria aonde?
AJ: É urgente a reforma da CEDEAO, mas infelizmente, não vai acontecer, porque cada vez que se renovam os regimes que são neocolonialistas não haverá a possibilidade de reformar a CEDEAO. Eu realmente, estou à espera do dia da desintegração da CEDEAO e isso vai acontecer se a aliança recém-criada ganhar mais força. Já ouvimos que o Togo é um dos candidatos a integrar a nova organização, a Aliança, então imagine, o Mali, Togo, Burkina Faso e Níger, saírem da CEDEAO, quem ficaria naquela organização… Não devemos esquecermo-nos que a medida que a Aliança está a trabalhar para se afirmar e os inimigos da Aliança estão a trabalhar para a sua integração. É dali que entra a importância da média, porque se os povos não são apropriados das nossas comunicações e a tendência é que as medias clássicas, a Rádio França, BBC ou RDP, trabalhem dia e noite para a lavagem dos cérebros dos africanos. É evidente para a Guiné-Bissau, a Gâmbia, o Senegal e em geral os países africanos, quando ouvirem uma informação na RDP, RFI ou BBC, então aquela informação é a verdade absoluta. Os africanos em vez de confiarem nas nossas médias, confiam mais nas narrativas externas do que na narrativa interna. É o momento de as médias africanas apropriarem-se e criarem uma narrativa africana.
OD: Nós solicitamos, por exemplo, uma entrevista a um político na Guiné-Bissau, ele não aceita, mas se for solicitado pela RDP ou RFI aceita conceder a entrevista?
AJ: Nós temos em África uma divisão, uma polarização ou uma multipolarização. Temos intelectuais africanos cujos corpos estão na Guiné-Bissau, mas o espírito está em Lisboa. E quando se tem este tipo de grupo de pessoas que têm complexos de inferioridade, que não trabalham para o seu próprio povo, que não tem a capacidade de criar uma narrativa nacional para explicar aquilo que está a acontecer, nós vamos ter problemas. O exemplo mais simples, é o problema dos seis bilhões. Houve um problema, porque não se fez nenhuma comunicação ao povo? Se tiver a certeza que está a trabalhar para o povo, venha ao público e explica o que aconteceu e o que pretende fazer, e se o povo está consciente que o dinheiro não saiu é ele quem vai defender a sua vitória, mas se o povo tiver dúvidas e não tem uma ideia clara daquilo que aconteceu, mesmo se chamar o povo para te defender, não vai apropriar-se da tua luta.
OD: Em África e na Guiné-Bissau regista-se sempre uma gestão oculta dos bens públicos…
AJ: Acho que não há nenhum governo que pode chegar ao poder sem auditar as contas do governo anterior. Quando não há prestação de contas, a luta contra a corrupção, sempre vai haver dúvidas, e onde há dúvidas, há sempre problemas, e aqui o povo começou a ter dúvidas para reagir, porque, quando o povo está informado e tem uma opinião clara da gestão dos seus recursos, não haverá golpes de Estado. O povo vai mesmo defender aquele que está a gerir o bem público muito bem.
OD: Registou-se uma tentativa de assalto a prisão, na Guiné-Conacri, por um grupo de militares aliados ao antigo Presidente Moussa Dadis Camara, para retirá-lo das celas. Isso demonstra que o regime golpista no poder não tem, na verdade, o controle da situação?
AJ: A situação na Guiné-Conacri tem de ser muito clarificada, porque não é uma questão sobretudo de libertar Dadis Camara. O objetivo não era o Dadis Camara, porque aquele que liderou a missão é filho de um outro general que esteve com Dadis Camará. Então, parece uma situação de ajuste de contas entre diferentes forças. Aqui não se pode generalizar que os golpistas não têm segurança, porque, quando os golpistas trabalham para ter sucesso e demostrar que não estão a dirigir o país para resolver os seus interesses, outras forças trabalham para manipular a opinião pública para se levantar contra eles. Porque a Comunicação e a informação são fundamentais. Se o povo não é informado nada sobre a governação e as políticas públicas, não vai estar no lado do regime. Os imperialistas sabem que o povo é soberano e que o líder que tem capacidade de mobilização do povo, tem elementos fundamentais, por isso enviam as organizações humanitárias, de caridade. As médias Europeus estão a trabalhar apenas para a desintegração e desunião entre os povos de diferentes países africanos. Quando um regime está determinado a trabalhar para o desenvolvimento, a ajudar a fazer entender o que está em jogo, essas médias e organizações trabalham ao contrário. É uma luta constante, seja golpista ou não, entre regimes determinados e os europeus. Quando o regime não é Vassal, Laque de França ou do imperialismo é conectado. São os próprios africanos que mediatizam os nomes que os media do Ocidente dão aos regimes em África. O exemplo concreto é o caso do Mali. No Mali, por exemplo, é uma junta, mas no Gabão e Chad, não. Os media franceses não usam esse termo, porque usam-no no Mali e noutros países no sentido pejorativo. Os jornalistas do Ocidente criam termos, vendem-nos e vocês jornalistas africanos emitem os mesmo termos. No Burkina, o jovem pediu voluntários para combater os terroristas e a RFI noticiou que o Presidente da República, Capitão Ibrahim Traoré, está a recrutar milícias e há Presidente africanos que se contentam com esse termo de milícias. Na primeira Guerra Mundial, a França teve muitos destes tipos de voluntários, nunca os chamou de milícias, mas quando os africanos a mesmíssima coisa que são milícias ou bandidos. No Kidal, por exemplo, todos os que combatiam nessa zona eram terroristas e quando o Mali tomou essa região já não eram terroristas, mas sim rebelião. Hoje em dia, todos os diplomatas, jornalistas e atores políticos devem colocar em cima da mesa o termo manipulação para estudar. O Ocidente e outras pessoas criam uma imagem negativa de África para manipular a opinião pública. O africano deve aprender a procurar onde fica a verdade, não se submeter à manipulação.