sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

2023: Um ano de golpes e golpadas na Guiné-Bissau

 FONTE: DEUTSCHE WELLE

O ano de 2023 foi mais do mesmo no país, com um Governo que não durou mais de cinco meses, acusações de golpe de Estado, episódios de violência e muitas dificuldades para o povo guineense.

2023 foi o ano das comemorações dos 50 anos da independência da Guiné-Bissau. E um ano em que o povo guineense foi novamente chamado às urnas para eleger um novo Parlamento e consequentemente o partido para formar o Governo. A maioria dos cerca de 884.000 eleitores escolheu a coligação Plataforma Aliança Inclusiva (PAI - Terra Ranka), que venceu o pleito de junho com a maioria absoluta, elegendo 54 dos 102 deputados.

Cinco meses depois, o Presidente da República, Umaro Sissoco Embaló, acusou o líder da Assembleia Nacional Popular, Domingos Simões Pereira, de tentativa de golpe de Estado, e dissolveu o Parlamento. Mas o constitucionalista Bacelar Gouveia diz que a decisão é "inconstitucional, inválida e sem força jurídica".

"A Constituição guineense é muito clara no artigo 94, dizendo que a dissolução do Parlamento só pode acontecer ao fim de um ano de uma nova eleição. Ora, a última eleição foi a 4 de junho. Portanto, até 4 de junho de 2024 não pode haver a dissolução do Parlamento. E isto é para garantir a estabilidade das instituições", explica, em entrevista à DW.

Um ano negativo para o Estado de Direito

Este recorrente "braço de ferro" institucional atira a Guiné-Bissau para um caminho perigoso, considera o presidente da Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH), Bucar Turé: "A Guiné-Bissau está num caminho perigoso de desconstrução e de desmantelamento do Estado de Direito", afirma, acrescentando que 2023 foi um ano "em que o autoritarismo assumiu uma dimensão maior com a pretensão de instalar um regime ditatorial no país".

No início de dezembro houve uma troca de tiros em Bissau entre as forças armadas e a Guarda nacional, uma corporação afeta ao Ministério do Interior. As alegações oficiais dizem que a Guarda Nacional tentou resgatar da prisão da Polícia Judiciária o ministro das Finanças e o secretário de Estado do tesouro, que tinham sido detidos.

O Presidente Sissoco Embaló classificou o ato como uma tentativa de golpe de Estado orquestrada pelo líder do Parlamento. Mas Domingos Simões Pereira fala numa intentona para consolidar o golpe contra a democracia e Estado de Direito, com a dissolução do Parlamento pelo Presidente guineense.

Direitos do povo sob ataque

O sociólogo guineense Diamantino Lopes diz que 2023 foi um ano em que as expetativas e a esperança do povo foram defraudados novamente: "O povo votou pela mudança de forma expressiva nas eleições de junho. Passados três meses, volta à estaca zero. A coligação que ganhou as eleições teve de voltar à oposição, e o Presidente colocou novamente no poder o seu Governo de iniciativa presidencial, que vai dirigir o país antes das eleições legislativas", resume.

Para o presidente da LGDH, Bucacar Turé, o ano ficou marcado também por mais casos da violação dos direitos humanos e ataques contra as liberdades fundamentais. "Tivemos detenções arbitrárias, raptos, espancamentos, restrições de exercício de liberdades fundamentais, nomeadamente as liberdades de manifestação, de expressão, de sindicalismo", aponta. "2023 foi marcado pela recusa sistemática por parte das autoridades políticas de cumprimento das decisões judicias. Assistimos a sequestros de cidadãos sem base legal", acrescenta Turé.

O dirigente da LGDH cita também a forma como forçaram a renúncia ao cargo por parte do então presidente do Supremo Tribunal de Justiça, José Pedro Sambú. O responsável da organização de defesa dos direitos humanos critica os constantes atropelos à Constituição do país: "A Constituição só existe para ferir, para violentar a própria Constituição, ou seja, as pessoas invocam a Constituição para violentar a Constituição da República. Do resto da Constituição não existe para o princípio de separação de poderes, não existe no que concerne à proteção dos direitos fundamentais do Cidadão".

Consequências para a economia

A péssima campanha de comercialização da castanha de caju, principal produto de exportação do país, com rendimento direto no bolso dos camponeses, e a crise económica e energética são reflexos desta cíclica instabilidade governativa, diz o sociólogo guineense Diamantino Lopes.

"Foi um ano marcado pela inflação galopante, o que provoca muito sofrimento no povo guineense. Os preços de produtos da primeira necessidade subiram de forma exorbitante. O mercado e o Governo perderam o controlo da situação", considera.

A pobreza aumentou no país e o poder de comprar dos guineenses reduziu bastante, pelo que as remessas dos emigrantes foram determinantes para salvar as famílias da fome, aponta o analista: "O apoio às famílias da diáspora consegue branquear de certo modo o contexto socio-financeiro do país. A diáspora é muito importante neste processo. O setor informal também ajudou muito a cobrir a ausência do Estado na vida das pessoas. Vai chegar um certo momento em que as pessoas não se interessam muito pelos governos, porque são vistos como mais um problema do que solução para as suas vidas", alerta.

Bubacar Turé concorda e diz que a classe política está mais preocupada com as disputas anticonstitucionais para permanecer no poder do que em resolver o problema do povo. "Os serviços sociais básicos continuam a funcionar de forma caótica. O sistema de educação não existe, o sistema de saúde não existe, ainda na capital, Bissau, há graves problemas de acesso à água potável, mais de 60% da população não tem acesso a energia elétrica", exemplifica.

2023 foi também o ano que a Guiné-Bissau acolheu pela primeira vez a cimeira da CEDEAO. No plano desportivo, garantiu a sua 4ª participação na Taça das Nações Africanas.

OPINIÃO: A Guiné-Bissau: as forças armadas e a luta política no contexto actual

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