FONTE: DEUTSCHE WELLE
O líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), Domingos Simões Pereira, convocou a população para uma marcha pacífica, na quinta-feira, em protesto contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de rejeitar a sua candidatura às eleições presidenciais de novembro.
Em carta divulgada nas redes sociais, Simões Pereira criticou o procedimento adotado pelo STJ, que anunciou a decisão sem notificação formal aos candidatos.
"Ontem, o STJ optou de novo por falar em conferência de imprensa,através de indivíduos que são estranhos aos processos eleitorais", escreveu o líder político.
Simões Pereira anunciou que liderará uma "romaria pacífica" até ao Palácio da Justiça, com cada cidadão saindo de sua residência. O objetivo é exigir transparência e respeito pelos direitos fundamentais. "Sem notificação, não há decisão, mas todos têm o direito de saber porque são aceites ou rejeitados", afirmou.
A rejeição da candidatura de Simões Pereira e da coligação PAI-Terra Ranka gerou forte reação política, com acusações de judicialização do processo eleitoral e de tentativa de exclusão de forças opositoras do pleito.
Em entrevista à DW, o analista guineense Rui Jorge Semedo afirmou que a decisão do STJ foi "uma decisão política que não respeitou os preceitos legais".
DW África: Que interpretação faz desta decisão do Supremo Tribunal de Justiça?
Rui Jorge Semedo (RJS): A leitura que se pode fazer é que estamos perante uma não justiça. Foi uma decisão política tomada sem respeitar os preceitos legais. Portanto, creio que só agora estamos a perceber a armadilha que estava a ser montada, porque isto começou há muito tempo, com a eleição feita no próprio Supremo Tribunal de Justiça, onde foram desrespeitadas todas as normas para que um magistrado possa assumir a função de presidente ou vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça.
DW África: Portanto, considera que isto é um ataque à democracia, o que está a acontecer na Guiné-Bissau com esta exclusão?
RJS: Exatamente. É um ataque à democracia. E o Supremo Tribunal está a escrever a história democrática da Guiné de forma errada e perigosa, porque a democracia concede a todos os atores — políticos ou organizações da sociedade civil — o direito de se manifestarem ou participarem no processo político sem qualquer restrição ou seletividade. Então, é dessa forma que estamos a acompanhar alegações que não convencem ninguém, nem mesmo os juízes do Supremo Tribunal, que sabem o que estão a fazer. Sabem que estão a brincar com a vontade e os interesses dos eleitores da Guiné-Bissau. Porque, pela forma como estão a agir, não estão a prestar um bom serviço à democracia nem à nação. Creio que, desde o início, estamos a presenciar uma violação da integridade eleitoral. Desde logo, podemos afirmar que estamos perante um processo eleitoral sem credibilidade, injusto e que não oferece qualquer garantia de liberdade aos intervenientes.
DW África: E uma vez que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) considera que esta decisão é definitiva e não passível de recurso, que medidas concretas podemos esperar do PAIGC para garantir a participação ou contestação deste processo eleitoral? E também o que podemos esperar da oposição para evitar, no futuro, um Parlamento "fantoche", como já alertaram alguns analistas?
RJS: Creio que é importante deixar claro que o problema não se resume à coligação PAI-Terra Ranka ou "API Cabaz Garandi", nem com o candidato Domingos Simões Pereira. O grande problema aqui é a democracia, que está em risco. E quando assim é, independentemente do partido ou do candidato, os cidadãos têm a obrigação de exigir a reposição imediata da justiça e da legalidade democrática. Porque o Supremo não comunica através de conferências de imprensa. A plenária deve reunir-se e, a partir daí, produzir um acórdão para se posicionar relativamente a qualquer situação. Portanto, o ato de realizar conferências de imprensa demonstra uma atitude autoritária, por um lado, e por outro, revela que o próprio Supremo Tribunal perdeu a capacidade de agir em conformidade com a lei. Isso é muito perigoso para um país que pretende prosseguir com a democracia, consolidar as suas instituições e, sobretudo, estabilizar-se para favorecer a governabilidade. Por isso, acredito que os guineenses estão a ser confrontados com uma situação que exige deles uma ação imediata, não para pedir, mas para forçar o Supremo Tribunal a agir em conformidade com as leis do país.