Por: Seco Duarte Nhaga
A decisão do Ministério Público de declarar “ilegais” as associações Frente Popular e o Espaço de Concertação das Organizações da Sociedade Civil, esta última, na sua maioria, constituída por organizações que gozam de personalidade jurídica, é manifestamente inconstitucional.
No nº1 do artigo 55º, a Constituição da Guiné-Bissau reza o seguinte: “os cidadãos têm direito de, livremente e sem dependência de qualquer autorização, constituir associações, desde que estas não se destinem a promover a violência e os respectivos fins não sejam contrários à lei”.
O nº2 do mesmo artigo estabelece que - “as associações prosseguem livremente os seus fins sem interferências das autoridades públicas e não podem ser dissolvidas pelo Estado ou suspensas as atividades senão nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial”.
Ou seja, a constituição de associações/grupos organizados de cidadãos não requer nenhuma autorização administrativa prévia, bastando que não se destinem a promover a violência e que os seus fins não sejam contrários à lei.
Só existe a possibilidade legal de dissolução de associações ou suspensão de suas atividades nos casos previstos na lei e mediante decisão judicial, não do Ministério Público, pese embora seja o Ministério Público competente para requerer aos Tribunais a decisão de dissolução ou de suspensão de atividades destas.
Quais são esses casos previstos na lei? A título de exemplo, a Constituição da República Portuguesa, por onde, a texto, foi inspirada a nossa Constituição da República, professa no nº 4 do seu artigo 46º, de onde foram, por conseguinte, inspirados/transcritos os nsº 1 e 2 do artigo 55º da nossa Constituição, o seguinte: “não são consentidas associações armadas nem de tipo militar, militarizadas ou paramilitares, nem organizações racistas ou que perfilhem a ideologia fascista”.
Ou seja, as associações só podem ser dissolvidas por decisão judicial (não por um comunicado do Ministério Público), quando as suas atividades forem consideradas ilícitas ou inconstitucionais, tais como: incitamento ao ódio racial, violência ou discriminação; tentado contra a democracia ou contra os direitos fundamentais; prática de crimes graves no seio da associação; por aí em diante.
No caso da Guiné-Bissau, são contrárias à Constituição e, por conseguinte não podem existir, associações cujos fins se destinem a - promover a discriminação racial, étnica ou religiosa (vide o art. 24º da CRGB); incitar a violência ou o ódio (art. 41º CRGB); ou ainda, associações armadas, tipo militar, militarizadas ou paramilitares (art. 55º, nº3, última parte CRGB); ou quando a existência da associação se torne contrária à ordem pública (al. d), nº 2 do art. 182º Código Civil).
Tudo para dizer que a constituição de associações/grupos organizados de cidadãos não requer nenhuma autorizazação administrativa, elas podem ser constituídas desde que os seus fins não sejam contrárias à lei e não são obrigadas, nos termos legais, a se constituirem por esccritura pública/aquisição da personalidade jurídica. É o que ensinam uns dos mais autorizados constitucionalistas do espaço lusófono.
Jorge Miranda e Rui Medeiros (2017) defendem que a constituição de associações não está sujeita a autorização ou reconhecimento por parte do Estado. Tal exigência violaria a própria essência do direito de associação. Por seu turno, Gomes Canotilho e Vital Moreira (2010) são categóricos quando afirmam que o direito de associação é livre e incondicionado, e a existência de uma associação não depende de registo ou de personalidade jurídica.
Portanto, ao invocar o artigo 158º de Código Civil (que a meu ver, deve ser alterado numa próxima revisão do Código) como fundamento legal para a dita declaração de ilegalidade dos dois grupos organizados visados, o Ministério Público guineense revela tão só carente de argumentos legais plausíveis, porquando este mesmo artigo, que consagra o princípio de reconhecimento da personalidade jurídica por concessão, é manifestamente dissonante com o espírito do nº 1 do artigo 55º da CRGB (atrás referenciado).
Em jeito de conclusão, oferece-me dizer o seguinte:
- as associações não são obrigadas a adquirir a personalidade jurídica para que a sua existência seja reconhecida ou como condição de exercício de suas atividades (a ser o contrário, o Ministério Público haveria também de extinguir os gurpos de mandjuandadi - que na sua maioria não têm personalidade jurídica, os movimentos de apoio (tipo estes de apoio aos políticos);
- o Espaço de Concertação das Organizações da Sociedade Civil bem como a Frente Popular não são associações formais, são espaços de partilha das OSC e de cidadãos, respetivamente, e de exercício de liberdade de expressão;
- o Ministério Público não tem competência para dissolver associações, mas sim e tão só é competente para requerer aos Tribunais a tal decisão, nos termos da Constituição e das leis infraconstitucionais;
Portando, a suspensão de atividades de qualquer que seja associação sem decisão judicial fere, no seu âmago, os fundamentos de Estado de Direito e abre caminhos a derivas autoritárias.
É o que penso.