terça-feira, 21 de janeiro de 2025

Guiné-Bissau: "Vivemos o regime hediondo de Sissoco"

FONTE: DEUTSCHE WELLE

Assinalou-se ontem o 52º aniversário do assassinato de Amílcar Cabral. Economista guineense afirma que, depois da sua morte, a Guiné-Bissau tem assistido a um colapso.

"O Presidente [Umaro Sissoco Embaló] deveria convocar as eleições presidenciais para novembro do ano passado", alerta o economista Braima Mané, em entrevista à DW África.

Na opinião do analista, "as legislativas não tinham razão de ser", porque o Presidente "emitiu um decreto para dissolver o Parlamento em dezembro de 2023", demitindo o Governo legítimo do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), liderado por Domingos Simões Pereira.

"Já é prática comum da parte dele a violação da Constituição, com a intenção de perpetuar-se no poder", diz o economista guineense doutorado e assistente em Finanças na Louvain School of Management da Universidade Católica de Louvain, Bélgica.

Co-autor do livro "100 Cabral – A epopeia de um simples africano", Mané lamenta a postura do atual regime que, "por complexo de inferioridade", tenta minimizar o papel de Amílcar Lopes Cabral, pai da luta pela independência da Guiné e Cabo Verde, assassinado há 52 anos.

DW África: Os 100 anos do nascimento de Amílcar Cabral e os 52 anos da sua morte levam-nos a analisar a situação política na Guiné-Bissau. O mandato do Presidente Umaro Sissoco Embaló termina em fevereiro. Já era altura de o Presidente ouvir os partidos e a sociedade civil para a marcação das eleições presidenciais e depois as legislativas?

Braima Mané (BM): Em condições normais, o Presidente deveria ter convocado as eleições presidenciais para novembro do ano passado. Nesta altura, estaríamos na situação de preparar o empossamento do novo Presidente, sendo ele reeleito ou um novo Presidente eleito, de acordo com as leis da Guiné-Bissau. Dito isto, a pouco mais de um mês do fim do seu mandato, estamos numa situação flagrante, mais uma vez – já é prática comum da parte dele – de violação da Constituição, com a intenção de perpetuar-se no poder. É disso que se trata.

DW África: E as legislativas? Umaro Sissoco diz que o seu mandato só termina em setembro e que só nessa altura marcará as eleições presidenciais.

BM: As legislativas não tinham razão de ser. Convém frisar que ele emitiu um decreto para dissolver o Parlamento em dezembro de 2023, mas este decreto tem um valor jurídico nulo. Os deputados não conseguiram prosseguir os seus trabalhos porque foram impedidos por homens armados. Então, ele criou um governo fantoche, para fazer figura, porque ele é quem manda em tudo. E dizer que o seu mandato termina lá para 4 de setembro, e daí as eleições serem em novembro deste ano, é mais uma violação flagrante da Constituição. E até, se seguirmos o raciocínio de Sissoco, é a confissão de um crime, crime de golpe de Estado. Porque [Sissoco Embaló] assumiu posse a 27 de fevereiro de 2020 e, segundo a Constituição da República da Guiné-Bissau, o mandato do Presidente tem a duração de cinco anos. Então, se ele assume que oficialmente é Presidente a partir de 4 de setembro de 2020, implica que a 27 de [fevereiro] de 2020 fez um golpe de Estado, assumindo o poder, demitindo um governo legítimo e começando a implementar os seus desmandos. Essa é uma situação que vai ser registada para quando um dia a Guiné-Bissau tiver autoridades legítimas, competentes, dignas desse nome, haver um processo judicial.

DW África: Considera que Umaro Sissoco Embaló transformou o país num Estado totalitário, que reprime e detém ativistas e políticos de forma arbitrária?

BM: É muito mais do que isso. Conhecemos exemplos de Estados autoritários em várias partes do mundo, que até têm algum nível, algum urbanismo na forma de se comportarem. No caso concreto da Guiné-Bissau, não conheço nenhum exemplo no mundo de um país que é dirigido por gente incompetente, por um lado, analfabeta, tanto literalmente como funcionalmente. É isto que é a composição atual e de vulgarização de funções do Estado. Na Guiné-Bissau, é a ditadura sem compostura, atabalhoada. É um regime que não tem nível, não tem visão de desenvolvimento, não há caráter, não há dignidade, não há nada. É muito forte dizer isto, mas é uma realidade dura. A Guiné-Bissau, da história que eu conheço, nunca viveu situação assim tão péssima. Eu não vivi o colonialismo, mas agora, comparando as realidades, a Guiné-Bissau hoje [parece]bem pior do que já esteve no regime colonial.

DW África: Falando de tais atropelos à Constituição, será possível, por exemplo, a revogação do recente despacho do regime de Sissoco que proíbe manifestações de guineenses?

BM: Não tanto a revogação. Eu diria [que é de se] ignorar este despacho, porque tem valor nulo. O direito à manifestação está consagrado na Constituição da República da Guiné-Bissau, e é chegado o momento das pessoas deixarem de ter medo, nomeadamente os políticos, e assumirem que fazer política é correr riscos. É correr riscos e mobilizar o povo para uma causa comum, uma causa nobre. Quando assim acontece, o povo vai aderir e não há despacho que resista às manifestações das populações. Há várias formas de se manifestarem. As pessoas podem bater nas tampas de panelas, podem cantar em frente às suas casas e criar uma dinâmica até ao ponto de as pessoas saírem às ruas, não só em Bissau. Mas é preciso que a classe política tenha essa capacidade de mobilização e, sobretudo, tenha a coragem de assumir, não obstante os riscos que possa ocorrer.

DW África: Observadores políticos afirmam que a Guiné-Bissau colapsou. O que fazer para sair desse colapso?

BM: Sim, a Guiné-Bissau colapsou, mas é uma sucessão de episódios de várias décadas. Agora vivemos o regime hediondo de Sissoco, mas é mais um episódio. Só que a tendência é piorar. O processo de desenvolvimento e da afirmação da identidade nacional guineense terminou nos anos 80, com o golpe do Estado. A partir daí, tudo começou a desmoronar-se. Houve multi-partidarismo, mas nunca houve a intenção e a capacidade de transformar o país. É um pouco o que se passa no resto do continente africano, salvo algumas exceções. Eu defendo a democracia. A democracia, para quem conhece bem a história, também existiu em África noutros moldes. Mas é o que dá liberdade aos povos. Agora, é preciso uma transformação estrutural da sociedade, em termos económicos, para trazer prosperidade e trabalho para as pessoas. Aí as pessoas vão ter menos tentação de delinquência ou de criar distúrbios ao nível político, como tem acontecido na Guiné-Bissau. Para já, é preciso que o Sissoco saia do poder, terminando o seu mandato. Agora, para restaurar e reconstruir as instituições, é preciso partir do princípio que a Guiné-Bissau tem que ser recomeçada, a partir do zero. É a única via. Começar do zero implica fazer uma transformação estrutural do país, em termos económicos, sociais e culturais. Isto implica, obviamente, apostar em gente com capacidade. Abrir-se o aparelho do Estado para a sociedade civil é fundamental, até com a ideia que tinha [Amílcar] Cabral.

DW África: O colapso da Guiné-Bissau, também ligado ao falhanço do PAIGC, impedido de governar durante os últimos anos, terá a ver com a morte prematura de Amílcar Cabral, mentor da luta de libertação da Guiné-Bissau e Cabo Verde?

BM: Eu costumo dizer, nas discussões que tenho com os meus conterrâneos, que os problemas da Guiné-Bissau começaram nas matas no processo da luta de libertação, justamente o que levou ao assassinato de Amílcar Cabral, a 20 de janeiro de 1973. Aí tem-se subjacente a ideia de traição, que já existia, porque aquele ato foi uma traição pelos próprios irmãos da luta de libertação. Cabral dizia que a luta pela libertação era o projeto mínimo. O programa maior era o desenvolvimento. Até dizia que, quando conquistamos a independência, se deve entregar o poder a gente habilitada para administrar o país. Quem é carpinteiro, agricultor, mecânico, que volte às suas atividades. Mas isto não aconteceu. Quem assumiu o poder foram os militares. Teve o Luís Cabral, durante seis ou sete anos depois da declaração unilateral da independência, que esteve lá até aos anos 1980, e houve um golpe de Estado de Nino Vieira. A partir deste golpe de Estado continuou a traição, e a Guiné-Bissau nunca mais se endireitou. Parecia que estava tudo bem, mas não.

DW África: Daí a necessidade de começar do zero, como disse?

BM: Justamente. É preciso assumir que, da conquista da independência, falhámos o programa maior de desenvolvimento. Então, é retomar daí, a partir do zero, mas tendo consciência que temos de reconstruir tudo. Há males graves que assolam a sociedade guineense que é preciso corrigir, porque a sociedade guineense está desestruturada, nomeadamente a juventude, a família. A família já não tem aquele valor que tinha, aquelas coisas que são muito valorizadas em sociedades africanas.

DW África: No seu livro "100 Cabral", que é agora lançado em Lisboa, traz à reflexão estas inquietações e a necessidade de mudança para uma nova era? Oferece pistas para essa mudança?

BM: A ideia de fazer este livro resulta de dois fatores. Primeiro, é uma homenagem - porque foi o centenário de Amílcar Cabral, em 2024. Homenagear aquilo que foi e continua a ser o simples africano, o africano mais brilhante do século XX e dos líderes mundiais mais brilhantes nesse mesmo período. Ao fazer este livro, aprendi muito sobre Cabral, a sua craveira intelectual e internacional como político, poeta, não só como agrónomo, mas como diplomata. Mas o ideal de Cabral foi morrendo um pouco na Guiné-Bissau. A ideia é reativar isto, nomeadamente porque o atual regime tenta minimizar o papel do Cabral por complexo de inferioridade. Isto é evidente. A ideia é contribuir com humildade e trazer à tona para o centro das nossas atenções a obra de Cabral. Nós, para sairmos da situação em que nos encontramos, temos de retomar a ideia de Cabral e vivê-la - sobretudo, implementá-la em termos da liberdade, da cidadania e da educação e, daí, empreender o desenvolvimento. Neste momento, é preciso que os guineenses sejam os ramos do mesmo tronco e olhos na mesma luz. Isso implica resgatar o ideal de Cabral, porque, seguindo-o como a luz, só assim é que vamos ter uma Guiné-Bissau desenvolvida, mesmo que não seja a nossa geração.

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