sexta-feira, 23 de agosto de 2024

Ataques à imprensa da Guiné-Bissau serão denunciados na ONU

 FONTE: DEUTSCHE WELLE

Comité para a Proteção dos Jornalistas vai levar à ONU os abusos cometidos contra a imprensa na Guiné-Bissau. "O próprio Presidente e os seus funcionários são responsáveis por alguns dos ataques", diz membro do CPJ à DW. Os abusos e violência contra a imprensa e jornalistas na Guiné-Bissau serão levados ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, informou o Comité para a Proteção dos Jornalistas (CPJ). A organização internacional vê com preocupação a deterioração da liberdade de imprensa no país de Umaro Sissoco Embaló, mas já está a tomar medidas para chamar a atenção do mundo para o que está a acontecer, diz a colaboradora Ângela Quintas.

Em entrevista à DW, ela apela a "uma pressão internacional sobre o Governo da Guiné-Bissau".

"O próprio Presidente e alguns dos seus funcionários são responsáveis por alguns dos ataques aos jornalistas. A atitude do Presidente em relação aos jornalistas é de desdém e ele também os ameaça", relata Quintas.

O caso mais recente aconteceu com a jornalista Indira Correia Baldé, também presidente do Sindicato dos Jornalistas e Técnicos da Comunicação Social da Guiné-Bissau, que foi expulsa de um evento público alegadamente a mando do Presidente Umaro Sissoco Embaló.

"[Uma] ordem superior do Presidente da República disse que eu, Indira Correia Baldé, enquanto jornalista, não posso estar em nenhuma atividade do Governo", denunciou a jornalista, que considerou o ato uma tentativa de "silenciar o jornalismo de qualidade e de restringir a liberdade de imprensa" no país.

DW África: Como o Comité para a Proteção dos Jornalistas vê a situação da imprensa na Guiné-Bissau?

Ângela Quintas (AQ): O CPJ vê com grande preocupação o que está a acontecer com a imprensa na Guiné-Bissau. Vemos sinais claros de deterioração nos últimos anos. Estamos a preparar um relatório para ser submetido ao Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação da liberdade de imprensa na Guiné-Bissau. O histórico de direitos humanos na Guiné-Bissau vai ser analisado no Conselho de Direitos Humanos este ano. Então, estamos a incluir no relatório todas as incidências em que os jornalistas foram afetados. Receio, sobretudo, o Governo, e certamente que a atitude do Presidente Embaló em relação à imprensa deixa muito a desejar.

DW África: Como o CPJ pode ajudar os jornalistas guineenses neste momento? 

AQ: Acho que há várias maneiras. Uma delas, obviamente, é tentar chamar a atenção para a situação que os jornalistas estão a viver na Guiné-Bissau. E eu acho que, quando os holofotes mostrarem o que está a acontecer e conseguirmos que o mundo olhe com atenção para esta questão, isto também [encoraja] os jornalistas na Guiné-Bissau, que pensam que as pessoas não se importam com eles e não estão a ver o que está acontecer. Mas, mais do que isso, acho que dever ser feita uma pressão internacional sobre o Governo da Guiné-Bissau. E, como disse, seria importante destacar isso no Conselho de Direitos Humanos, como planeamos fazer. O Comité para a Proteção dos Jornalistas também apoia os jornalistas que precisam da nossa ajuda. A Rádio Capital FM é um exemplo disso. Não podemos esquecer que a solidariedade é fundamental. Nós estamos sempre prontos para ajudar os jornalistas da Guiné-Bissau. Notamos, por exemplo, os pronunciamentos do Presidente. Numa conferência de imprensa recente, ele afirmou que os jornalistas não são mortos na Guiné-Bissau, ao contrário do que aconteceu noutros PALOP, e essas são declarações vergonhosas. Há violações constantes [da liberdade de imprensa]. O próprio Presidente e alguns dos seus funcionários são responsáveis por alguns dos ataques aos jornalistas. A atitude do Presidente em relação aos jornalistas é de desdém e ele também os ameaça. Ele coloca brigadas a ouvir emissões de rádio. Tudo isso passa uma mensagem errada. É por isso que não nos surpreende quando os jornalistas são atacados por aparentes membros da sociedade ou apoiantes do Presidente Embaló, como vimos nos últimos protestos.

DW África: Vocês têm, como CPJ, algum tipo de contacto com organizações de media locais na Guiné-Bissau? 

AQ: Sim, claro. Dependemos dos nossos parceiros locais. Trabalhamos de forma próxima com eles. Na verdade, esperamos que os nossos parceiros locais se juntem a nós neste relatório sobre direitos humanos que vamos apresentar no Conselho de Direitos Humanos sobre a situação da liberdade de imprensa na Guiné-Bissau.

DW África: O CPJ tem conselhos específicos para jornalistas que trabalham em ambientes de forte repressão como a Guiné-Bissau? Há cerca de três semanas, duas mulheres foram fisicamente agredidas no exercício da sua profissão... 

AQ: Sim. A segurança dos jornalistas é uma prioridade para o CPJ e nós temos muitos recursos para garantir que os jornalistas se possam preparar. Quando há tumultos em países onde há protestos, em que há eleições, os jornalistas são muitas vezes atingidos. Então, temos materiais que podemos dar aos jornalistas para que eles se possam preparar. Não se pode ir para situações deste género a pensar que estará seguro. Essa é a realidade do jornalista hoje em dia. Os jornalistas também nos podem contactar se precisarem de conselhos de segurança. Nós temos um especialista em segurança que poderia ajudar. Mas, em geral, acho que há muitos materiais que o CPJ e os seus parceiros oferecem para que os jornalistas sintam que, quando fazem o seu trabalho, estão seguros, não só fisicamente. Uma coisa que constatamos – e nós vimos isso na Guiné-Bissau, com ataques online a mulheres jornalistas – são comentários terríveis, sexualizados, nas redes sociais. E nós oferecemos conselhos de segurança digital para os jornalistas. Oferecemos informação sobre segurança digital. Até mesmo em termos de conselho de segurança física, que é sempre importante, podemos oferecer apoio individual com um especialista em segurança.

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