FONTE: LUSA
A economista das Nações Unidas Nelly Rita Muriuki disse hoje à agência Lusa que a subida da dívida pública em África está a desviar despesa da saúde e educação para pagar dívidas, hipotecando o desenvolvimento.
"Vemos uma tendência dos governos para gastarem grande parte das receitas em repagamento das dívidas, afetando setores sociais como a Saúde e a Educação, e reduzindo os gastos públicos nas infraestruturas, o que nega as perspetivas de desenvolvimento, e é por isso que houve uma queda do crescimento económico, de 3,5% em 2022 para 3,3% em 2023", disse Muriuki.
Em entrevista à Lusa no seguimento da divulgação do relatório sobre as perspetivas económicas mundiais, a economista do Departamento de Assuntos Económicos e Sociais (UNDESA) vincou que os países africanos têm um excesso de dívida que impede a contração de novas dívidas, situação caracterizada em inglês pela expressão `debt overhang`.
"Há 18 países [em África] que têm um rácio de dívida sobre o PIB acima de 70%, o que, segundo a Análise da Sustentabilidade da Dívida (DS) feita pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Mundial é considerado sobre-endividamento", disse a economista, salientando que o rácio da dívida sobre o PIB em Angola está nos 84,9%, em Cabo Verde é de 113% e em Moçambique está nos 90%.
Neste contexto de sobre-endividamento generalizado e com dois países que já falharam os compromissos com os credores, primeiro a Zâmbia e mais recentemente o Gana, a previsão é que 2024 seja um ano difícil para os países da região.
"Os agentes do mercado estão a acompanhar atentamente as negociações de reestruturação da dívida que estão em curso no Gana e na Zâmbia, devido ao seu incumprimento em 2021 e 2022; esperemos que esta tendência para o incumprimento não se estenda a outros países", acrescentou.
Para além dos casos da Zâmbia e do Gana, há outras economias maiores que enfrentam também grandes despesas com a dívida, que nalguns casos atinge a maturidade e precisa, por isso, de ser paga na totalidade.
A ONU está "a acompanhar outras grandes economias, por exemplo, o Quénia e o Egito, que têm grandes pagamentos de dívidas este ano, e, em menor grau, a África do Sul, devido à atual crise económica causada pela crise do setor energético e às implicações das próximas eleições", disse Nelly Rita Muriuki.
Nos últimos anos, lembrou, muitos países africanos aumentaram o endividamento junto do setor privado, o que torna a reestruturação da dívida mais difícil.
"Esta questão está no nosso radar, não só do ponto de vista da interrupção do financiamento internacional, mas também devido às implicações no crescimento económico e no desenvolvimento, porque se um país está numa situação de excesso de dívida, as despesas sociais sofrem e, num continente com o nível de pobreza que África tem, esta não é uma boa situação", concluiu a economista.
A nível regional, o UNDESA prevê um "modesto crescimento económico" de 3,5% para África este ano, num contexto de abrandamento económico global e degradação da dívida pública.
"O crescimento económico em África deverá continuar modesto, travado pelo abrandamento económico global, aperto na política monetária e nas condições orçamentais, e uma degradação da situação da sustentabilidade da dívida", lê-se no relatório sobre a Situação Económica Mundial e Perspetivas (WESP, na sigla em inglês).
No ano passado, o crescimento do continente africano foi de 3,3%, com muitas economias a enfrentarem aumentos da inflação, principalmente devido à subida dos preços dos combustíveis e dos alimentos, com muitas a passarem também por desvalorizações das moedas devido à redução das exportações e a uma limitada injeção de capitais externos.