FONTE: RFI
O presidente da República da Guiné-Bissau decretou há duas semanas, 4 de Dezembro, a dissolução da Assembleia Nacional Popular e o governo. Segundo o jurista, professor na Faculdade de Direito e activista de Direitos Humanos, Fodé Mané, a Guiné-Bissau vive "um golpe constitucional contra um órgão de soberania".
Na quarta-feira, 13 de Dezembro, a polícia guineense impediu o acesso de deputados da coligação PAI - Terra Ranka à Assembleia Nacional Popular e dispersou as pessoas que se encontravam em frente ao Parlamento com recurso a granadas de gás lacrimogéneo.
"O Parlamento foi bloqueado e não caiu legalmente. Se o Parlamento não existe, não há base para o funcionamento do governo", defende o jurista Fodé Mané. A nomeação do primeiro-ministro Geraldo Martins "padece desta inconstitucionalidade porque vai ter de submeter os seus instrumentos à Assembleia e ela foi dissolvida. Geraldo Martins não foi designado pela coligação que teve maioria. Saímos há quatro meses de uma eleição e porque a formação política que venceu não é do agrado de uma pessoa, do Presidente da República, ele bloqueou o Parlamento - é um acto criminoso", afirma.
Na Guiné-Bissau "há apenas um sujeito que tem tudo e cuja a vontade é a lei. Ele determina o que as forças de segurança têm de cumprir, mesmo sabendo que há juristas que conhecem bem a lei. O que é triste é que é do conhecimento das pessoas que patrocinam o Estado da Guiné-Bissau - porque temos um estado totalmente dependente. Para realizar actos de soberania como as eleições são necessários apoios exteriores. A comunidade internacional e os próprios parceiros, como Timor Leste e Portugal, têm legitimidade para poder agir, uma vez que sustentam os projectos de desenvolvimento, o funcionamento do Estado", denuncia o professor na Faculdade de Direito na Guiné-Bissau.
O activista acredita ser "impossível sair desta crise por via legal". Os activistas e defensores de direitos humanos estão a ser "perseguidos", além de que existe "cumplicidade por omissão por parte da comunidade internacional".
O jurista guineense afirma que a comunidade internacional "fecham os olhos perante o que se está a passar. Não deixou de haver relatos de espancamentos ou de torturas, além do alto índice de corrupção, da utilização do espaço como placa giratória para alguma criminalidade organizada. A estratégia de repartir a culpa por por toda a sociedade, faz com que não haja culpado".
"Não é possível sair por via legal desta situação porque se consumarmos a dissolução do Parlamento, não pode haver eleições porque temos uma Comissão Nacional de eleições cujo mandato caducou desde a eleição anterior. Temos uma situação no Supremo Tribunal, em que a maioria dos juízes foram suspensos por um único despacho. Temos uma procuradoria que é uma espécie de cão de caça", descreve.
O activista de Direitos Humanos lembra, ainda, que as ONG estão a ser fortemente perseguidas; "há raptos, perseguições, raptos à luz do dia. É necessário haver quem vista um colete-de-forças para bater com a mão na mesa e diga ‘basta’".
"Quando vimos o comunicado do ministério dos Negócios Estrangeiros de Portugal a desmentir, a distrair e dizer que [o que se passa na Guiné-Bissau] é uma questão interna, achamos que há uma cumplicidade por omissão. Quem tem armas tem as Forças Armadas", denuncia.
A comunidade internacional "ainda é um reservatório de principio, as Nações Unidas, União Europeia ou Portugal, já vimos vários constitucionalizas e políticos a bater com a mão. Países como a França, pioneiros em termos de direitos humanos, também podem agir e dizer basta ao sofrimento do povo guineense. A Amnistia Internacional ou a Human Rights Watch podem dizer basta destes abusos", defende o activista de Direitos Humanos.
"Neste momento não podemos ir ao principal hospital do país, os funcionários não podem trabalhar e tudo isso traduz-se em falta de assistência, alimentação e trabalho, conduzindo na morte das pessoas. Como é que se pode dizer que é um problema dos guineenses, como apontou de forma irónica o comunicado da CEDEAO, que recomenda a via do diálogo - diálogo com quem tem tudo e quem não tem nada?", questiona. "Como é possível se não houver alguma imposição", concluiu.