terça-feira, 4 de novembro de 2025

𝐀 𝐓𝐑𝐀𝐆É𝐃𝐈𝐀 𝐃𝐄 𝐔𝐌𝐎 𝐂𝐀𝐍𝐈 𝐄 𝐀𝐒 𝐋𝐈ÇÕ𝐄𝐒 𝐐𝐔𝐄 𝐍Ã𝐎 𝐏𝐎𝐃𝐄𝐌𝐎𝐒 𝐈𝐆𝐍𝐎𝐑𝐀𝐑

FONTE: LGDH

Todos nós fomos profundamente abalados pela trågica notícia do falecimento, em Portugal, da nossa conterrùnea Umo Cani, uma jovem gråvida de 37 anos, cuja vida e a da sua bebé não puderam ser salvas, apesar das tentativas da equipa médica do Hospital Fernando Fonseca.

Esta tragĂ©dia gerou intensa comoção e indignação, sobretudo devido Ă s declaraçÔes desumanas e imprudentes da Ministra da SaĂșde, Ana Paula Martins, no parlamento portuguĂȘs.

É evidente que a morte de uma mulher grĂĄvida, ou de uma recĂ©m-nascida, num paĂ­s como Portugal, deve suscitar reflexĂŁo, investigação e debate sĂ©rio sobre a eficĂĄcia e a eficiĂȘncia do Serviço Nacional de SaĂșde, um serviço que conheço e do qual sou utente.

Contudo, a dor e a revolta aumentaram quando a Ministra proferiu afirmaçÔes profundamente infelizes. No seu desastroso depoimento no Parlamento, declarou, de forma categĂłrica: “É uma grĂĄvida que nĂŁo era acompanhada atĂ© que deu entrada no Amadora-Sintra jĂĄ com 38 semanas.”

Numa linha de discurso com ecos de preconceito e insensibilidade, Ana Paula Martins, que afirma ter nascido na GuinĂ©-Bissau, acrescentou, num tom desumanizado e frio: “Posso assegurar-vos que, maioritariamente, sĂŁo grĂĄvidas que nunca foram seguidas durante a gravidez, que nĂŁo tĂȘm mĂ©dico de famĂ­lia, grĂĄvidas recĂ©m-chegadas a Portugal com gravidezes adiantadas, que nĂŁo tĂȘm dinheiro para ir ao privado e que, algumas vezes, nem falam portuguĂȘs, nem estĂŁo preparadas para pedir socorro. Por vezes, nem telemĂłvel tĂȘm.”

Perante tamanha falta de verdade, empatia e discernimento, a Ministra perdeu a autoridade moral para continuar a exercer o cargo. 

Apesar do luto e da dor, a família de Umo Cani sentiu o dever de repor a verdade, apresentando provas irrefutåveis que levaram à demissão do Conselho de Administração do Hospital Fernando Fonseca e colocaram Ana Paula Martins numa posição política insustentåvel.

Sobre o caso, trĂȘs liçÔes parecem-me importantes a retirar:

1. O papel da comunicação social Ă© vital numa democracia saudĂĄvel. Apesar da expulsĂŁo da RTP-África, AgĂȘncia Lusa e RDP-África, e das dificuldades de ligação Ă  internet, o jornalismo portuguĂȘs mostrou-se digno e persistente na busca pela verdade, ouvindo familiares tanto em Portugal como o prĂłprio marido, em Bissau.

2. A humanidade deve ser o princĂ­pio que guia o poder. Seja qual for o contexto, os valores da empatia, respeito e compaixĂŁo devem nortear todos os que servem o pĂșblico. Um governante nĂŁo pode agir com leviandade, nem transformar o sofrimento humano em argumento polĂ­tico.

3. A tragédia de Umo Cani é também um espelho da Guiné-Bissau.

Embora nĂŁo tenha resultado de uma evacuação mĂ©dica, este caso Ă© um lembrete doloroso da calamitosa situação do sistema de saĂșde guineense, onde faltam atĂ© os recursos mais bĂĄsicos, luvas, agulhas, kits de primeiros socorros, onde a morte dos parturientes Ă© quase normalizada. É uma afronta Ă  dignidade humana. Um Estado de direito deve garantir aos seus cidadĂŁos o acesso pleno aos serviços sociais fundamentais, condição essencial da justiça e da igualdade.

Por fim, e nĂŁo menos importante, quero reiterar as minhas mais sentidas condolĂȘncias Ă  famĂ­lia, especialmente ao meu primo Braima Seide, que agora carrega a dolorosa missĂŁo de cuidar, sozinho, das trĂȘs crianças deixadas pela malograda.

Aproveito ainda para felicitar e agradecer os apoios da Associação dos Filhos e Amigos de Farim, pelo empenho, solidariedade e devido acompanhamento deste caso, que demonstraram o verdadeiro espírito de união e responsabilidade cívica.

Que Allah, na sua infinita bondade, lhe conceda Djannatul Firdaus.