segunda-feira, 14 de julho de 2025

Carlos Lopes, economista: “A ideia da diversificação é nobre, mas tem que ser estratégica”



O economista guineense esteve em Cabo Verde no final do mês passado, onde foi um dos oradores no XII Diálogo Estratégico do Instituto Pedro Pires. Carlos Lopes é Professor na Nelson Mandela School of Public Governance da Universidade do Cabo e Honorary Fellow da Academia Africana de Ciências. Com uma vasta obra publicada, integrou comissões globais de alto nível sobre clima, trabalho e financiamento do desenvolvimento. Foi Secretário-Geral Adjunto das Nações Unidas, Director Político do Secretário-Geral Kofi Annan, e liderou a UNECA, o UNITAR e o UN System Staff College.

50 anos de independência de Cabo Verde, que avanços podemos realçar?

Muitos avanços. O facto, por exemplo, de o país ter, durante este período, aumentado o seu PIB em 22 vezes, aumentado o seu PIB per capita, que normalmente é a medida mais interessante, em 13 vezes, é um feito que muito poucos países africanos podem vangloriar-se. Melhorou todos os indicadores do índice de desenvolvimento humano e está entre os primeiros no índice de governança. Embora no índice de governança tenha estado a cair nos últimos anos. Em termos de desenvolvimento, Cabo Verde conseguiu muitas conquistas. E é interessante, por exemplo, situá-las em dois grandes ciclos. O primeiro é o que considero da ajuda, em que Cabo Verde se mostra como um excelente aluno da eficácia da ajuda ao desenvolvimento. Este primeiro ciclo tirou Cabo Verde da sua dependência das chuvas e do espectro da fome. Passou a ser um país com mais estabilidade, mais segurança alimentar, porque as frentes de mão-de-obra também criaram uma alternativa à forma como se desenvolvia a economia. Depois, entramos num segundo ciclo, o ciclo do turismo, que passa a ser central na economia. Não quer dizer que não haja outras coisas, mas é central em termos de meios que permitem ao país sustentar-se. Hoje estamos a falar de qualquer coisa como 1,2 milhões de turistas/ano. Isto é espectacular para um país que tem mais ou menos metade da população, dois turistas por cabo-verdiano. Receitas pouco acima de um bilhão de dólares por ano. É significativo e corresponde à expectativa de que o país geriu eficazmente a ajuda, foi graduado, saiu da categoria de menos avançado e teve que se sustentar pelos seus próprios pés e Cabo Verde sustentou-se pelos seus próprios pés através do turismo. No entanto, as outras actividades que tinham grandes ambições falharam.

Que grandes ambições?

A primeira, que ia ser um hub logístico. Não é um hub logístico. Passou, de facto, até para baixo nos índices africanos de logística. Hoje, Cabo Verde é menos conectado do que era. Tem charters, isso é outra coisa. Isso é para turismo. Mas em termos de logística, não. Foi completamente ultrapassado pelas várias alternativas que existem na África Ocidental. Por exemplo, o Porto de Lomé, que é o quinto porto com mais tráfego em África e o segundo em contentores, tem números que correspondem mais ou menos a 10, 15 vezes os volumes de que se está a falar em Cabo Verde. O segundo, a ideia de que Cabo Verde podia ser um centro financeiro. Atraiu alguns bancos portugueses, alguns fundos, mas, na realidade, como praça financeira, é inexistente. Países como o Ruanda, que tiveram a mesma ideia quase 15 anos depois, já têm um volume considerável em relação a Cabo Verde. E o terceiro era que ia ser um centro para a economia digital. Actualmente, as exportações de TIC estão na ordem dos 0,27%, ou seja, são uma poeira. Cabo Verde ficou, paradoxalmente, com a ideia de que se estava a diversificar, mas com uma espécie de monopólio do turismo na centralidade da economia. Os serviços que existem são para o consumo próprio, a economia de serviços é muito importante, mas se retirarmos o turismo e as remessas de imigrantes, que representam 12% do PIB, nós estamos a falar de uma economia com grandes vulnerabilidades. O que nos obriga a olhar para o turismo com muito mais cuidado. 

Mas de qual turismo estamos a falar?

Pois. É um turismo sazonal, é um turismo muito dependente do mercado, que é o mercado europeu, e que vai estar sob grande pressão porque é um mercado em envelhecimento. As pessoas que fazem turismo de massas, que é o turismo que Cabo Verde atrai, turismo dos charters e das pulseiras, como eu disse na conferência do Instituto Pedro Pires, os países que fazem o turismo dos charters e das pulseiras têm vulnerabilidades muito maiores do que os outros, que têm nichos e que têm características de turismo muito diferentes. Portanto, ou Cabo Verde decide que a sua aposta é no turismo, e aí tem que fazer um turismo com uma qualidade superior, ou tem que fazer uma escolha que se adapte às novas realidades que vêm aí. 

E nesse caso, qual seria o caminho, ou caminhos?

Sugeri, na conferência, algumas ideias. Por exemplo, a ideia da migração digital, ou seja, preparar o sistema de educação para formar os jovens cabo-verdianos para tarefas que vão ser transferidas digitalmente para fora de determinados países, porque não tem mão-de-obra, mas também porque têm um envelhecimento da população que faz com que os processos de tecnologia sejam mais complexos. Por exemplo, um fundo de pensão, como o fundo de pensão da Noruega, pode ser completamente trabalhado em Cabo Verde, em português, e a inteligência artificial vai fazer a tradução, em tempo real, para norueguês. Mas há outras ideias, se de facto Cabo Verde quiser ser um hub logístico, tem que pensar em outra logística. Dos cabos submarinos, por exemplo. No futuro vão ter que fazer muito mais cabos submarinos e Cabo Verde pode posicionar-se para ser um receptor de cabos submarinos, como é o caso do Djibouti, que recebe mais de 15 cabos submarinos que vêm da Ásia em direcção à Europa e outros destinos. A ideia da diversificação é nobre, mas tem que ser estratégica e tem que ser muito focada. Não pode ser assim essas coisas que nós vimos no segundo ciclo, da economia digital, do hub logístico, do centro financeiro, que não funcionaram. 

Inclusão, sustentabilidade, prosperidade económica, social e ambiental. Algum dia poderão ser mais do que palavras?

Estamos num período de grande transição geoestratégica, onde uma série de consensos que foram criados à volta de terminologia e palavras não estão a ter correspondência com a realidade. É por isso que há uma espécie de défice de confiança em relação a tudo o que são tratados e acordos internacionais. E é por isso também que, de uma certa forma, passamos para um período transacional, onde – a começar pelos Estados Unidos – os países não têm já a mesma atitude de fingir e dizem as coisas com uma certa crueza. E é por causa de, justamente, haver uma grande distância entre promessas e realidade. Esses termos precisam ser descascados como a cebola. Tem que se ver quais são os detalhes de cada um deles. Por exemplo, se nós falarmos em sustentabilidade, ela pode servir para introduzir novas regras comerciais que são desfavoráveis aos mesmos países e que marginalizam os mesmos países. Depende de como é que ela é feita, só utilizar a palavra não chega. 

Falando de uma forma concreta, Objetivos de Desenvolvimento Sustentável 2030, ou Agenda 2063, isto ainda são visões realistas e viáveis?

Participei directamente na elaboração, inclusive fui um dos redatores, da Agenda 2063, e na altura lembro-me que as pessoas diziam que era muito ambiciosa. Eu disse a muitos interlocutores, vocês têm que ver que esta agenda de 2063, e está explícita no próprio texto, é uma agenda de aspirações. É a África que nós queremos. Esse é até o slogan da agenda – The Africa we want –, é uma agenda aspiracional. Não é um plano de implementação. É um plano de aspirações. Que depois precisa ser complementado com planos de implementação. Dissemos que teriam de ser feitos de década a década. Não se pode fazer um plano para 50 anos. O curioso é que esta agenda foi aprovada dois anos antes da agenda de 2030 e quando a agenda de 2030 saiu, fartei-me de rir, quer dizer, a agenda 2030 é ainda mais ambiciosa do que a 2063, mas com menos tempo. Nós, pelo menos, dissemos que precisávamos de 50 anos para lá chegar. Agora quer-se acabar com a pobreza em 15 anos?! É uma coisa absolutamente absurda. E o resultado está aí. Estamos a chegar à meta e os resultados vão ser catastróficos. Segundo os relatórios que foram publicados para a conferência de Sevilha [Quarta Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento – 30 de Junho a 3 de Julho], qualquer coisa como 15% dos objectivos foram atingidos até agora. E até duvido desses números. São números um bocadinho, enfim, não vou dizer fabricados, mas são um bocadinho compósitos de números, de projecções e tal. Não têm rigor científico. Mas, admitindo 15%, quer dizer, estamos a, literalmente, 5 anos de chegar à meta. Com 15%.

Este tipo de resultados pode criar descrença nas pessoas e nas instituições?

É evidente. Nós já temos uma desconfiança em relação às instituições em geral, produto de dois desenvolvimentos em particular. As transições demográficas brutais que estamos a viver no planeta, com o envelhecimento muito rápido de uma parte da população e com o crescimento muito rápido de jovens noutra e todas as implicações que isso traz. E segundo, os desenvolvimentos tecnológicos que estão a trazer a informação em rede a um conjunto vasto de cidadãos que os obriga a reconsiderar as formas tradicionais de organização da autoridade. E essas formas tradicionais estão muito na base de como funcionam as instituições. E agora elas não conseguem dar conta destas duas mudanças tão brutais e tão rápidas. Temos uma nova forma de fazer política, através das redes sociais. Temos uma nova forma de exprimir opinião, sem ser através dos canais tradicionais, que eram dominados pela elite. Agora qualquer pessoa é jornalista, como você sabe, não é? Esta mudança põe em causa as instituições em geral, a autoridade dos pais, a autoridade da escola, a autoridade dos professores, até chegarmos à autoridade moral de uma organização como as Nações Unidas.

Refere uma série de factores que estão a dar origem, na Europa, a populismos extremistas, mas a que África não está incólume de vir a sofrer desses mesmos populismos que, aliás, já se começam a sentir. Como é que analisa toda esta situação?

África já tem populismos. Não são descritos com a mesma capa ideológica, mas são populismos. Há, por exemplo, uma febre à volta do ditador do Burkina Faso, Ibrahim Traoré, como se ele fosse um grande herói. Isso é um puro populismo. O indivíduo está a fazer uma catástrofe do ponto de vista económico e social, mas tem uma projecção como se fosse um grande revolucionário. É uma forma de populismo e temos outras. Por exemplo, o fenómeno Venâncio Mondlane, para chegar aqui mais perto da nossa realidade lusófona, é também um fenómeno populista. É um indivíduo que tem poder de comunicação, vem das igrejas evangélicas e tem uma grande popularidade junto dos jovens, porque é um comunicador, mas na realidade não tem plataforma económica nenhuma. Temos isso já bem presente em África.

Ambição, coragem, responsabilidade são as palavras-chave para a liderança para o futuro em Cabo Verde e em África. Seremos capazes de chegar lá?

É preciso grande pensamento estratégico. Ensino economia política africana e o foco principal que tento transmitir, através dos escritos, dos livros, das intervenções públicas, é que a África precisa de transformação estrutural, mudar de baixa produtividade para alta produtividade em sectores-chave, com a urbanização a servir um pouco de motor e alavanca para que se passe à industrialização, mas não podemos fazer industrialização do mesmo jeito que anteriormente, agora é mais dependente de desenvolvimentos tecnológicos e de cadeias de valor que foram montadas, mas há a questão da liderança. 

E que tipo de liderança é necessária para fazer essa transformação? 

Essa transformação precisa de três ingredientes de liderança. Primeiro, precisa de ambição. Não é uma ambição só por ambição. Não podemos ter uma ambição qualquer. Ambição é capacidade de projectar o país tendo em conta as megatendências, que são três em particular: a climática, a demográfica e a tecnológica. Ou seja, tem que pensar o país daqui a X números de anos, tendo em conta não só a realidade do país, que é o que normalmente os políticos fazem, mas também de como vai ser daqui a X anos. A segunda é a capacidade de foco. Foco em quê? Em que escolhas estratégicas vão ser necessárias tendo em conta a ambição. Aí, normalmente, a gente acaba com um caderno enorme, uma lista enorme de coisas que se podem fazer. Mas é preciso escolher muito, muito estritamente. Porque as janelas de oportunidade são pequenas e o estatuto dos países africanos é de serem os últimos a chegar ao jantar, já não há lugar na mesa e têm que encontrar um cantinho para pôr a cadeira. Em função do foco, é preciso governar com coordenação, que é a terceira característica e isto também precisa ser definido. Coordenação no sentido de que a escolha nacional, ou as escolhas nacionais, são o verdadeiro objetivo da governação e não as políticas sectoriais que, até agora, eram feitas um pouco em desconexão com o objectivo central. Se sou ministro dos transportes faço a política dos transportes. Se sou ministro da saúde faço política da saúde. Põe-se na mesma mesa e o ministro dos transportes diz que não tem nada a ver com saúde e o da saúde diz que não tem nada a ver com transportes. Tem. Se o objetivo central é único, eles têm que dizer qual é a contribuição que vão dar a esse objectivo central. Suponhamos que é o turismo. Os transportes têm a ver com turismo, saúde tem a ver com turismo, educação tem a ver com turismo, tudo tem a ver com o turismo. Tem que se definir o que é que cada um vai fazer para o objectivo central. E essa coordenação, normalmente, nos países africanos faz defeito. Nos países asiáticos, esse movimento chamou-se de Developmental State, ou Estado de Desenvolvimento, ou Estado para o Desenvolvimento. É difícil traduzir para português porque fica assim uma coisa meio esdrúxula, Estado para o Desenvolvimento. Mas, enfim, Developmental State é a ideia de que o Estado tem uma preponderância na efectivação de políticas, não necessariamente de actor, mas de políticas que são coordenadas para um objectivo central. Então, quando se tem essas três coisas, tem-se um líder reformista. 

E quais são os líderes que há hoje em África?

Eu defino os líderes em África em duas categorias. Há os reformistas e há os rentistas. Os rentistas são aqueles que ficam um pouco à sobra da bananeira, porque têm diamantes ou porque têm cobre, mas também pode ser porque têm ajuda. É uma forma de renda e aí não fazemos reforma nenhuma.

Uma das reformas com que se debate no continente e Cabo Verde, é conseguir reduzir a pobreza. O que pode o país fazer para alcançar este objectivo?

Penso que aqui há um problema de distribuição que poderia melhorar a vida dos cidadãos mais vulneráveis. No caso de Cabo Verde, a economia é tão estreita que não há assim tantas possibilidades. O que existe é a necessidade de observar que o principal motor da economia, sendo o turismo, qual é a contribuição que tem para a redução da pobreza. E aí vamos descobrir que o turismo que pratica Capo Verde não é um turismo que integra a economia local de uma forma consentânea com os números. As Seychelles recebem 350 mil turistas por ano, mas têm o mesmo valor que Capo Verde, com 1,2 milhão. Porquê? Porque as Seychelles obrigam os turistas a consumir local. As Seychelles fazem com que, por exemplo, os transportes têm que ser pequenos operadores. As Seychelles obrigam a que, por exemplo, se pague uma taxa de turismo muito elevada se a pessoa ficar num resort, não paga se ficar num pequeno alojamento local, etc. Quer dizer, são políticas que criam incentivos para gerar emprego local, mas mais do que emprego, faz mover a economia local. É assim que se combate a pobreza. Não é com ajudas tipo caridade. É com economia.

Voltando às independências para fecharmos a conversa, será importante desmontar mitos e falar do que realmente foram? Até porque a maioria não significou liberdade. 

É, seguramente. Primeiro, é preciso ter um diálogo constante sobre as opções de desenvolvimento. Acho que Cabo Verde olha muito para o seu umbigo, tem uma espécie de problema em admitir a sua geografia, em primeiro lugar. É assim aquela imagem da jangada de pedra de Saramago. Está no meio do Atlântico, mas não quer relacionar-se necessariamente com um polo, que neste caso terá que ser o africano, e isto custa muito a Cabo Verde. O facto de ter menos de 3% do seu comércio com África dá um pouco a luz desta dificuldade que Cabo Verde tem. Mas é uma dificuldade que vai ter custos enormes. O facto dessas opções, centro financeiro, hub logístico e economia digital não terem decolado é, pura e simplesmente, porque não se insere na África. Quer dizer, vai fazer isso para Lisboa? Ser praça financeira para Lisboa? Ser hub logístico para a Europa? Oferecer economia digital para os europeus? Esse é o problema. É traído pela sua geografia. E é traído também pela percepção dessa geografia. Porque pensa que é um grande aluno da ajuda ao desenvolvimento e, portanto, a partir daí é um dos melhores da África. Não é. Há 15 países da África que têm performances superiores a Cabo Verde em todos os indicadores económicos. Há 20 anos não eram 15, agora são 15 e daqui a 10 anos serão 30. Ou seja, Cabo Verde está, neste momento, a ficar para trás em relação às conquistas enormes que teve nas primeiras décadas.

Está a ficar à sombra dos louros.

Exacto. Está a viver da sua percepção. E, portanto, é preciso passar a uma outra etapa. E essa outra etapa é justamente o tal diálogo de que eu falava.

E a juventude cabo-verdiana, está a ser preparada para liderar a mudança?

Não sei. Este é um ponto de interrogação. O que eu constato é que há uma tendência para os jovens quererem emigrar outra vez em massa. E isso é muito preocupante, porque eu acho que estamos num período em que a imigração não é tão fácil. Há toda uma espécie de restrições. Nos Estados Unidos, que era o destino principal, ainda mais. Cabo Verde já entrou na lista dos países com restrições, mas não admirava nada que começasse a haver expulsões em direcção a Cabo Verde. E o futuro, de facto, é a migração digital. Os empregos virem para Cabo Verde digitalmente, na área dos serviços. É esse o movimento que vai ter sentido no futuro. E não me parece que os jovens estejam orientados para isso, até pelo tipo de educação que recebem.

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