FONTE: DEUTSCHE WELLE
Presidente Umaro Sissoco Embaló rejeita iniciativa de reconciliação nacional. O seu antecessor, José Mário Vaz, aplaude o projeto para acabar com décadas de golpes, assassinatos e crises no país.
O projeto de reconciliar os guineenses não é novo. A Assembleia Nacional Popular (ANP) lançou, em 2011, uma iniciativa para promover a reconciliação nacional através de um diálogo inclusivo entre diferentes atores, visando a consolidação da paz e da estabilidade na Guiné-Bissau.
O processo, no entanto, nunca avançou. Pelo caminho, o país registou vários sobressaltos — nomeadamente golpes de Estado e assassinatos de figuras nacionais — mergulhando numa longa crise política e governativa.
VOZES PELA RECONCILIAÇÃO
Por isso, João Bernardo Vieira, antigo secretário de Estado dos Transportes e Comunicações e dirigente do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), lançou a iniciativa que apelida de "Agenda da Paz e Reconciliação Nacional", para promover o diálogo que possa levar ao entendimento entre os guineenses.
Em entrevista à DW, o ex-governante defende que faz sentido levar adiante o desafio: "O país tem vivido sobre a célula adormecida de conflitos", justifica.
"Perante tudo isto, eu acho que há toda a necessidade de a Guiné-Bissau adotar uma agenda da paz e reconciliação nacional, como único mecanismo que os guineenses têm para, em conjunto, assumirmos um compromisso de perdão mútuo", afirma.
José Mário Vaz concorda. Recentemente, após receber João Bernardo Vieira para discutir o tema, o ex-Presidente defendeu a reconciliação entre os guineenses como forma de garantir a paz e a estabilidade no país.
SISSOCÓ CONTRA RECONCILIAÇÃO?
No entanto, quem não quer ouvir falar da reconciliação nacional é o Presidente da República Umaro Sissoco Embaló. O chefe de Estado repudiou, na semana passada, qualquer iniciativa nesse sentido.
"Ouvi isso uma vez, quando a então Assembleia Nacional Popular criou uma comissão de reconciliação. Recusei aquela comissão porque era treta. Eu não gosto de teatro e sou muito pragmático. Quero questionar: A reconciliação será entre quem e quem?", questionou Sissoco.
João Bernardo Vieira, promotor da "Agenda da Paz e Reconciliação Nacional", considera normal haver vozes discordantes e promete continuar os contactos com todos os atores políticos guineenses.
"Eu não estava à espera que todos estivessem de acordo comigo. Obviamente, as pessoas têm que discordar de mim e desta abordagem. Isto é perfeitamente normal. Portanto, vou usar as minhas relações, ao mais alto nível, para que possamos estar todos sentados em torno de uma mesa e discutir a Guiné-Bissau."
LEI ANTES DA PAZ
Para o jornalista Bacar Camará, no entanto, a promoção da reconciliação não deve ser uma prioridade imediata: "O que o país precisa, nesta altura, é da aplicação das leis. As leis e as normas existem, e o país dispõe de uma Constituição — uma das mais liberais do mundo", refere.
"Por isso, o que é necessário é aplicar as leis e que as pessoas respeitem a Constituição e as regras."
Uma guerra civil, assassinatos, golpes de Estado, demissões de governos antes do fim do mandato constitucional de quatro anos, e a dissolução do Parlamento marcaram o percurso democrático da Guiné-Bissau nas últimas três décadas.
O advogado Luís Vaz Martins também defende a reconciliação nacional, mas com a definição prévia de um termo de referência.
"É necessário que o projeto de reconciliação seja dirigido por uma figura de reconhecida idoneidade a nível da sociedade e dos partidos políticos. Quem conduzir a reconciliação deve basear-se nos princípios sobre os quais ela assenta, entre os quais o princípio da verdade."