Por: Bubacar Turé
Presidente da LGDH
Conheci o tio JĂșlio em 2004, um ano antes da minha ascensĂŁo a um cargo na entĂŁo Direção Nacional interina da LGDH. Consta que ele jĂĄ vinha exercendo as suas funçÔes laborais na sede da organização alguns anos atrĂĄs.
Em 2005, comecei a interagir diretamente com ele, pois, nĂŁo obstante as minhas funçÔes de membro da direção nacional, nĂŁo hesitava partilhar tarefas com ele, as quais, nĂŁo tĂnhamos nenhuma obrigação contratual para as cumprirem.
Era uma Ă©poca de vacas magras, nĂŁo havia projetos nem apoios mĂnimos para suportar os encargos por exemplo, de empregadas de limpeza. Eu e ele intercalĂĄvamos estes tipos de trabalhos.
Assim fomos lutando.
A eleição de Dr. LuĂs Vaz Martins como Presidente da LGDH teve como consequĂȘncia imediata, a retoma gradual de apoios financeiros Ă organização e a abertura de novas oportunidades de parcerias com organizaçÔes similares estrangeiras.
Foi assim que num belo dia, o Dr. LuĂs Vaz Martins recebeu um surpreendente e agradĂĄvel contacto da SrÂȘ. FĂĄtima Proença, Presidente da ACEP âAssociação para a Cooperação Entre os Povos.
Nestas conversas, nasceram os embriĂ”es que deram estampa aquilo que viria a ser a Casa dos Direitos, um espaço que era santuĂĄrio de repressĂŁo e de violaçÔes graves dos direitos humanos incluindo torturas, transformado numa casa de afirmação dos direitos humanos e de fortalecimento de espaço cĂvico Ă s OSC.
Com a abertura da Casa dos Direitos, um consĂłrcio de cerca de 10 OSC nacionais e estrangeiras, em 2012, o tio JĂșlio parecia ter encontrado o espaço do seu sonho. Ele fez a Casa dos Direitos a sua segunda casa.
Mesmo em perĂodos difĂceis, o tio JĂșlio nunca deixou de nos contagiar com o seu sorriso e da sua simpatia incrĂvel.
Enfim, sem qualquer exagero, havia uma combinação perfeita entre o tio JĂșlio e a Casa dos Direitos, pois se confundia com o seu eterno guardiĂŁo.
Quando cessou as minhas funçÔes na ONU em 2020, passei a dedicar-me quase integralmente à Liga.
Em Janeiro de 2024, assumi as funçÔes do Presidente da LGDH.
Nesta qualidade, as minhas relaçÔes com o tio JĂșlio que eram muito boas, passaram a ser familiares.
Sou sempre o primeiro a chegar no escritĂłrio e o Ășltimo a sair.
Cada manhĂŁ que o tio JĂșlio chega ao escritĂłrio, vai diretamente ao meu gabinete: Presidente bom dia kuma ku mansi? Assim, vai me contando histĂłrias, suas frustraçÔes e sonhos, problemas familiares, entre outros. No perĂodo da tarde, o momento de partir, o tio JĂșlio nĂŁo saia sem despedir-me.
Foi assim, na sexta-feira dia 14 de março, o tio JĂșlio bateu-me a porta, Presidente, na bai bĂł! Como sempre, desejei-lhe bom descanso e feliz noite.
Afinal, era a Ășltima despedida. Ontem, por volta das 20h15 recebi a terrĂvel chamada do seu filho mais velho: Presidente, o meu pai faleceu. InacreditĂĄvel! Como assim? interroguei-me. Sabia que ele andava a queixar-se de dores no Ășltimos tempos e ia regularmente ao mĂ©dico. Contudo, nunca imaginava que o tio JĂșlio ia nos deixar ĂłrfĂŁo tĂŁo surpreendentemente.
No inicio da tarde de hoje, o tio JĂșlio Nhaga Mbali foi a enterrar na sua residĂȘncia, como reza a tradição da sua etnia. Despedimo-nos de mais um amigo e colega que o mistĂ©rio da morte nos subtraiu.
A LGDH, a Casa dos Direitos e seus milhares de visitantes, ficaram ĂłrfĂŁos de um homem muito simpĂĄtico.
Que Deus na sua infinita bondade, lhe conceda eterno descanso em paz!