Por: Beatriz Furtado
Advogada
Em sede de questão prévia, não posso deixar de concordar com o Senhor Carlos Pinto Pereira quando reconhece, de uma forma tímida, que “estamos perante a vacatura do Presidente” De acordo com o art.º 3.º, da lei 10/2013, as eleições presidenciais devem ocorrer entre 23 de outubro e 25 de novembro do ano correspondente ao término do mandato presidencial.
Se o Presidente tomou posse em 27 de fevereiro de 2020, e considerando que o mandato presidencial tem a duração de 5 anos (nos termos do art.º 98.º da lei eleitoral e 66.º, n.º 1, da CRGB), significa que o referido mandato termina em 27 de fevereiro de 2025. E, reza o artigo 182.º da Lei eleitoral, sob título tomada de posse do Presidente da Republico, que “ o Presidente da República toma posse no último dia do mandato do seu antecessor ou, em caso de eleição por vacatura do cargo, nos termos da Constituição”, cfr artigo 71. CRGB.
Portanto, as eleições presidenciais deviam ser realizadas entre 23 de outubro e 25 de novembro de 2024.A não realização das eleições presidenciais, dentro do prazo estabelecido no suprareferido art.º 3.º, gera diversas consequências jurídicas e políticas.
1. Consequências Jurídicas• Violação da Constituição: o não cumprimento do prazo constitui uma violação da Constituição, tornando a continuidade do mandato presidencial, após o término do período previsto, ilegal e inconstitucional.• Vácuo de Poder ou Ilegitimidade do Presidente: se não houver eleições e o mandato caducar em 27 de fevereiro de 2025, o Presidente perde a legitimidade para continuar no cargo, levando à sua substituição pelo Presidente de ANP (conforme resulta da CRGB), que deverá marcar as eleições num prazo de 60 dias.• Prorrogação Inconstitucional do Mandato: Caso o Presidente tente permanecer no cargo sem novas eleições, estaremos na presença de um golpe constitucional.
2. Consequências Políticas• Crise Institucional e Protestos: a falta de eleições gerará uma crise política, levando a manifestações, contestações (pelos partidos da oposição) e à instabilidade social.• Perda de Reconhecimento Internacional: organismos internacionais e países parceiros poderão não reconhecer legitimidade ao presidente, impactando tal facto nos acordos diplomáticos e financeiros celebrados.• Risco de Instabilidade Governativa: sem um novo presidente eleito dentro do prazolegalmente estipulado, o País enfrentará dificuldades de governabilidade, prejudicando as políticas públicas e os investimentos.
3. Do início e fim do mandato:O tempo de mandato do Presidente começa a contar a partir da tomada de posse e não da decisão do Supremo Tribunal de Justiça sobre o contencioso eleitoral.Portanto, a decisão do STJ pode influenciar a confirmação do resultado da eleição, mas, o mandato presidencial só se inicia oficialmente com a cerimónia de posse, que marca a data de início do exercício das funções. Tal circunstância segue o princípio da continuidade do poder e da legalidade do processo de transição governamental.
No caso em questão, se o presidente tomou posse em 27/02/2020, o mandato deve ser contado a partir dessa data. Considerando o mandato de 5 anos, o término daquele ocorrerá em 27/02/2025. A decisão do STJ, em Setembro de 2020, sobre o contencioso eleitoral não altera a data de início do mandato, pois, este começou oficialmente com a posse.
Conclusão:
Neste caso em que as eleições presidenciais não se realizaram dentro do período determinado pela Constituição e pela lei eleitoral, estamos perante uma crise institucional, que acarretará ao seu tempo, a perda de legitimidade do Presidente e até de aplicação de sanções políticas internacionais. O presidente não tem, há muito, o poder de marcar quaisquer eleições.
O dever de cidadania e de verdade, obriga-nos a interpretar as leis e transmitir o seu conteúdo de forma clara e esclarecedora, pois, quando priorizamos os interesses do presente, em detrimento de quem fomos e fizemos no passado, descurando as consequências do futuro, o que poderá a sociedade esperar de nós?A honestidade intelectual é preciso e requer-se.Tenho dito, Beatriz Furtado