FORÚM NACIONAL SOBRE A JUSTIÇA
Bissau, 17 de Dezembro de 2024
Sob iniciativa da Liga Guineense dos Direitos Humanos, com os apoios financeiros do PNUD e do Projeto Boa Governação, as organizações da sociedade civil e demais instituições estatais, reuniram-se em torno do Fórum Nacional sobre a Justiça, no âmbito da 11ª edição da Quinzena dos Direitos, realizada em Bissau na Casa dos Direitos, no dia 17 de dezembro de 2024, sob o lema “ A Justiça ao Alcance de Todos”.
Este fórum tinha como objetivo principal, influenciar a agenda política dos atores políticos, sociais e económicos, sobre o atual status quo da justiça e propor a adopção de politicas públicas que promovam maior acesso à justiça aos cidadãos, sobretudo, aos mais vulneráveis.
Igualmente, o evento visava discutir os problemas que obstaculizam o acesso à justiça aos cidadãos e propor soluções, consciencializar os operadores judiciários e cidadãos em geral, sobre a importância de um sistema judiciário forte, célere, independente e ao alcance de todos, no processo de desenvolvimento do país e criar pontes de diálogo entre as OSC e operadores da justiça, com maior proteção dos direitos dos cidadãos;
Convencidos de que um sistema judicial com base nos princípios da independência, imparcialidade, integridade, transparência, responsabilização e do profissionalismo é fundamental para o Estado de Direito, para manter a confiança do público e assegurar efetivamente a justiça;
Conscientes do crucial papel das organizações da sociedade civil na promoção da paz, justiça e na consolidação do Estado de direito democrático;
Tendo em conta a imperiosa necessidade de reforço da articulação e coordenação entre as organizações da sociedade civil e as instituições do estado no combate à impunidade, na promoção do acesso à justiça e na consolidação da paz;
Reconhecendo que a complexidade intrínseca à problemática da impunidade na Guiné-Bissau reclama uma resposta concertada e inclusiva de todos os atores e sensibilidades, em particular da sociedade civil;
Profundamente preocupadas com o atual status quo do sistema judiciário, caraterizado pela inacessibilidade da justiça à maioria dos cidadãos, morosidade gritante dos processos, sinais evidentes de corrupção e instrumentalização para fins políticos;
As organizações da Sociedade Civil e demais instituições estatais comprometidas com os valores da paz, da justiça, dos direitos humanos e do Estado de direito democrático, reunidas neste fórum nacional sobre a justiça, aprovam a presente Declaração de Bissau nos termos que se seguem:
a) Acesso à justiça e combate à impunidade
1. Desenvolver ações de lobby e advocacia junto às autoridades nacionais, com vista à reabertura de todos os tribunais de sector, criação de tribunais regionais em todas as regiões e abertura de tribunais de relação em todas as provinciais do país, facilitando assim, o acesso à justiça a todos os cidadãos;
2. Exortar a descentralização urgente da Polícia Judiciária e consequente criação de brigadas em todas as regiões do país, contribuindo assim, para o combate à criminalidade organizada e à corrupção endémica;
3. Desenvolver ações de lobby e advocacia com vista à adopção e implementação efetiva de uma estratégia nacional de combate à impunidade, tendente à moralização da sociedade e consequente restabelecimento de confiança entre os cidadãos e instituições do estado;
4. Promover uma participação inclusiva, proactiva e dinâmica das organizações da sociedade civil no combate sem reservas à impunidade como um dos principais factores de instabilidade política e conflitualidade social no país;
5. Dinamizar a identificação, inclusão e participação das vítimas em todas as iniciativas de combate à impunidade, segundo os princípios do direito à justiça, do direito à compensação pelas violências sofridas e o direito a garantias de não repetição desses crimes;
6. Respeitar os princípios básicos de equidistância, objetividade, imparcialidade e defesa intransigente dos valores da justiça, democracia e do Estado de direito no processo de articulação com o poder ou entidades de natureza político-partidária;
7. Exigir a abertura de investigações transparentes, céleres e conclusivas dos vários casos de corrupção e assassinatos com vista à responsabilização criminal dos seus atores;
8. Contribuir para a delimitação e maior controlo sobre o funcionamento da justiça tradicional com vista a evitar abusos cometidos a coberto de alegada legitimação cultural e impedir situações de impunidade e interferências na administração da justiça tradicional;
9. Promover advocacia e lobby para a ratificação do estatuto do Tribunal Penal Internacional;
10. Dinamizar a identificação, inclusão e participação das vítimas em todas as iniciativas de combate à impunidade, segundo os princípios do direito à justiça, do direito à compensação pelas violências sofridas e o direito a garantias de não repetição desses crimes;
11. Contribuir para a delimitação e maior controlo sobre o funcionamento da justiça tradicional com vista a evitar abusos cometidos a coberto de alegada legitimação cultural e impedir situações de impunidade e interferências na administração da justiça estadual;
b) Independência da justiça, Proteção dos Direitos Humanos, Democracia e Estado de Direito
1. Rejeitar e condenar a manipulação e instrumentalização política da justiça, reafirmando o carácter apartidário da justiça e da sua equidistância aos interesses políticos, económicos e sociais;
2. Exigir a reintegração imediata de todos os juízes Conselheiros, Desembargadores e de Direito, ilegalmente demitidos, aposentados e suspensos das suas funções;
3. Exortar a realização urgente das eleições no STJ, por forma a restabelecer a independência do poder judiciário e consequente realização da justiça justa, imparcial e acessível a todos;
4. Condenar as violações graves dos direitos humanos ocorridas nos últimos tempos no país, com especial destaque para as práticas de tortura, sequestro e espancamento sistemáticos dos cidadãos;
5. Exortar a abertura de investigações exaustivas com vista à identificação e consequente responsabilidade criminal dos autores morais e materiais de práticas de tortura, banida da ordem jurídica da Guiné-Bissau através da Constituição da República e demais convenções internacionais assinadas e ratificadas pelo Estado da Guiné-Bissau;
6. Propor a revisão constitucional com vista à fixação de limite de mandato para o Procurador-Geral da República para a salvaguarda da sua independência e imparcialidade;
7. Apoiar a criação e o fortalecimento de mecanismos de supervisão, avaliação, disciplinares e outros mecanismos de responsabilidade, sem prejuízo da independência judicial;
8. Reconhecer a importância e a interdependência entre o desenvolvimento, segurança, justiça e direitos humanos para a estabilidade e consolidação do estado de direito democrático;
9. Incentivar as autoridades nacionais a integrar iniciativas multilaterais tendentes a garantir a exploração transparente das riquezas da Guiné-Bissau, incluindo os seus recursos minerais e florestais, em articulação com mecanismos e iniciativas internacionais que garantam a proteção das comunidades locais contra atividades abusivas de empresas e operadores estrangeiros.
c) Violência contra mulheres, crianças e grupos vulneráveis
1. Reforçar as ações de sensibilização e reforço permanente das capacidades de intervenção dos agentes responsáveis pela aplicação da lei, com vista à implementação eficaz das legislações protetoras dos direitos das mulheres e crianças;
2. Contribuir ativamente na luta contra a violência com base no género e contra as crianças através da partilha de informações e do reforço de coordenação;
3. Promover programas e ações de tolerância zero face à violência contra as mulheres e crianças através de adopção de mecanismos de denúncia de casos de violência, sobretudo as que ocorrem no âmbito familiar ou doméstico;
4. Desenvolver ações de lobby e advocacia junto às autoridades nacionais, tendente à criminalização do feminicídio na Guiné-Bissau;
5. Desenvolver ações de lobby e advocacia coordenadas, com vista à aprovação do Código de proteção integral das crianças;
6. Desenvolver advocacia junto às autoridades nacionais, tendente à aprovação de uma lei de proteção das pessoas com deficiência;
Bissau, 17 de dezembro de 2024
Os participantes do Fórum Nacional sobre a Justiça