Recentemente, a Liga Guineense dos Direitos Humanos dirigiu uma carta aberta ao auto- intitulado Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Juiz Conselheiro, Lima António André, sobre o estado da justiça na Guiné-Bissau e uma vigília, cujo objetivo visava e visa o despertar de consciências sobre o impacto das reiteradas violações das mais elementares normas que regem a organização e o funcionamento dos Tribunais.
Poderíamos nesta reflexão (grito de socorro) citar as suas causas remotas, mas, centrar-nos-emos na acentuada e vertiginosa degradação, e na devastadora desorganização dos Tribunais, nos últimos quatro (4) anos.
Saliente-se que o Tribunal, importante instituição do Estado e formalmente consagrado no art.º 119.º, da desrespeitada Constituição da República da Guiné-Bissau, é ali consagrado como o “órgão de soberania com competência para administrar a justiça em nome do povo”.
Passemos aos factos que deram início à derrocada dos Tribunais:
1.º Eleições para os cargos de Presidente e do Vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça (doravante STJ) e do Conselho Superior da Magistratura Judicial (daqui em diante CSMJ), disputadas entre os Juízes Conselheiros, Mamadú Saido Baldé e Ladislau Embassa, por um lado, e Osires Ferreira de Pina, Lima António André e Juca Armando Nancassa, por outro lado.
Nestas eleições, foram notórias as interferências políticas em todo o processo (como aliás em todas as eleições decorridas naquela Corte), evidenciando, assim, candidatos do regime instituído e outros, aparentemente da oposição, para não falar de compra de consciência, sobretudo dos juízes com capacidade eleitoral ativa e passiva.
Esta situação deixou e tem deixado marcas negativas no aparelho judicial, quer na administração dos Tribunais, quer na gestão de processos, com reflexo nas decisões proferidas, não só no STJ, como também nas instâncias “hierarquicamente” inferiores.
2.º A morte prematura do Juiz Conselheiro Mamadú Saido Baldé, Presidente do STJ e do CSMJ, volvidos quase três meses da sua eleição, o corpo da judicatura e, sobretudo, a ASMAGUI (Associação Sindical dos Magistrados Judiciais da Guiné-Bissau presenciou, cobardemente, as aberrações jurídicas levadas a cabo pelo, agora auto-intitulado Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, então Vice-presidente, Lima António André, tudo com o beneplácito e o apoio escancarado do atual regime.
Estes atos ilegais, inconsequentes, destrutivos, incompetentes, subservientes levaram, num primeiro momento, à demissão de Juízes que compunham a Comissão Eleitoral para a eleição do Presidente e Vice-presidente do STJ e do CSMJ, por não acompanharem as ordens do Vice-presidente; de seguida, à expulsão selvática dos Vogais do CSMJ, nomeadamente, dos Representantes da Assembleia Nacional Popular, constituídos por elementos do partido opositor ao regime; num terceiro momento, ao processo ilegal de preenchimento de vagas de Juízes Conselheiros no STJ (esvaziando ainda mais o Tribunal da Relação); e, finalmente, à polémica eleição do Juiz Conselheiro José Pedro Sambú, então Presidente da CNE, como Presidente, (fora do quadro legal que rege as eleições desta Jurisdição Suprema).
Desta emaranhada confusão, ressalta a não participação do outro candidato no ato eleitoral, por discordar dos inúmeros desvios de procedimentos sem, no entanto, ter ao seu dispor um órgão credível (porque completamente minado) para fazer valer os seus direitos.
3.º Com a posse da nova Direção do STJ e do CSMJ, a saga aniquiladora do Poder Judicial não abrandou. Começando com o funcionamento, sem quórum, do CSMJ; a suspensão preventiva e movimentações de juízes; a redução flagrante de 5 para 3 anos de exercício, no ativo, da função de Juiz Conselheiro como critério para a atribuição da capacidade eleitoral passiva; a abertura de uma inspeção extraordinária que culminou na promoção, tendenciosa e sem critério objetivo, de Juízes de Direito a Juízes Desembargadores.
Acrescentados aos atos descritos, sobreveio a “bem-intencionada” Carta Aberta do Sindicato do Magistrados Judiciais, alegando a interferência grave e inadmissível do Presidente do STJ e do CSMJ, num processo judicial em curso, cuja Juíza do Tribunal de Família, Trabalho e Menores do Tribunal Regional de Bissau, então titular do processo, é, por sinal, a factótum Secretária do CSMJ.
Toda esta encenação fazia parte de uma trama diabólica que tinha como objetivo principal, a reconfiguração da Direção do STJ e do CSMJ e o silenciamento/afastamento de todas as vozes discordantes, possibilitando, assim, a manutenção de interesses inconfessos.
Esta carta constituiu, por isso, o “leitmotiv” para a caricata e nunca antes vista suspensão preventiva do, também imposto, Presidente do STJ e do CSMJ, Juiz Conselheiro José Pedro Sambú, numa sessão plenária por este convocada e, alegadamente desconvocada à última hora pelo mesmo, mas, que foi presidida pelo Vice-presidente, Lima António André, sem que o Presidente daquele órgão lhe tivesse delegado poderes para o efeito.
Não tendo-se conformado com a famosa “suspensão preventiva”, o Presidente José Pedro Sambú, proferiu por sua vez, um despacho suspendendo, também, preventivamente, todos os Magistrados que estiveram presentes naquela reunião Plenária do CSMJ, incluindo o Vicepresidente.
Após a realização de uma nova reunião plenária em 1.11.2023, convocada pelo Presidente, José Pedro Sambú, em que estiveram presentes além de Magistrados, os novos vogais representantes da Assembleia Nacional Popular, as instalações do STJ foram invadidas em 3.11.2024, por militares encapuzados, altamente armados e, concomitantemente, o Presidente do STJ e do CSMJ, então aliado do regime, foi sequestrado no seu próprio domicílio.
Este ato notório, resultou no alegado arrombamento da porta do gabinete do Presidente e na instalação do novo homem forte, nada mais, nada menos que o inevitável Vice-presidente, Lima António André e na renúncia forçada do Presidente, José Pedro Sambú.
Ato subsequente, Lima António André, apresentou-se no Palácio da República para a tomada de posse como membro do Conselho de Estado, nas vestes de Presidente em Exercício Transitório do Supremo Tribunal de Justiça, sem qualquer respaldo na lei.
4.º Consumada a usurpação violenta de competências do Presidente do STJ e do CSMJ, o Juiz Conselheiro Lima António André, com o apoio do Juiz Conselheiro, ilegalmente nomeado e empossado, Arafam Mané (também ilegalmente nomeado Vice-presidente do STJ e do CSMJ por este Órgão), da Juíza Desembargadora, Ellyane dos Reis Rodrigues (Presidente do Tribunal da Relação), da Juíza de Direito, Mirza Laura Bamba (Secretária do CSMJ), e do Vogal, Dr. Humiliano Alves Cardoso (Representante do auto-proclamado Presidente da República), tomaram-se as mais abjetas, quanto absurdas decisões, destruindo toda a estrutura do aparelho judiciário e pondo em causa, não só a paz social, a carreira dos Magistrados, a segurança jurídica dos cidadãos, dos partidos políticos e das demais Associações, enfim, da Democracia e do Estado de Direito.
A título de exemplo, elenquemos resumidamente alguns atos:
a) Suspensões e demissões ilegais de Juízes de Direito, de Juízes
Desembargadores e de Juízes Conselheiros;
b) Movimentação e colocação de Juízes em diferentes jurisdições e em
diferentes Câmaras dos tribunais superiores, sem obedecer os critérios
de competência, de experiência e de especialidade exigidos por lei;
c) Anotações ilegais de congressos realizados por fações dissidentes de
Partidos Políticos;
d) Criação ilegal de uma Comissão Ad hoc para a verificação de candidaturas para as eleições legislativas marcadas para 24 de Novembro.
Face a esta exposição e aos factos gravosos que envergonham e põem em causa o bom nome de Juízes honestos e competentes, voltemos à questão inicial.
Onde pára a ASMAGUI (Sindicato dos Magistrados Judiciais) e os Juízes em geral?
Mais, por que razão assistimos à anuência ensurdecedora dos Magistrados ante a catástrofe que se abate sobre uma classe, cuja profissão se reputa nobre e se pretende acima de quaisquer suspeitas?
Por que razão admitem os restantes membros da Direção do Sindicato e os associados em geral, que o próprio Presidente do Sindicato, Juiz Desembargador Lassana Camara, seja concomitantemente Diretor do Gabinete do usurpador Lima António André, e ainda, Coordenador da recém-criada Comissão Ad Hoc para a verificação de candidaturas, numa clara violação do previsto no art.º 7.º, n.º 4, al. f), dos Estatutos da Associação dos Magistrados Judiciais Guineenses: “São deveres dos associados: Abster-se de assumir, individual ou coletivamente, comportamentos ofensivos, desprestigiantes e contrários aos princípios e objetivos estatutários da ASMAGUI”?
Devem os Juízes acordar do sono profundo a que muitos foram claramente impostos e a que outros voluntariamente se colocaram.
Devem os Juízes libertar-se do “recolher obrigatório” a que foram impelidos.
Devem os Juízes libertar-se do medo, do jugo e de quaisquer medidas ou atitudes limitadoras do princípio da independência a que se encontram vinculados.
A objeção de consciência constitui um direito intrínseco à qualidade de magistrado, devendo o Juiz obedecer apenas à lei e à sua consciência.
Os valores e princípios emanados nos Estatutos dos Magistrados Judiciais foi uma conquista de mulheres e homens cientes do seu papel na construção de uma sociedade justa e equilibrada, não devendo, de forma alguma, a nova geração de Juízes entregar o destino dos Tribunais nas mãos de pessoas desequilibradas e apenas comprometidas com interesses estranhos à classe.
Aos Juízes, Lima António André, Arafam Mané e aos seus sequazes, deixamos a seguinte passagem: “Os Julgamentos de Nuremberga fixaram para sempre que o direito e a justiça em todos os tempos estará acima do ser humano, acima dos chefes de Estado e de todos aqueles que estão diretamente às suas ordens e que o indivíduo tem de prestar contas das suas atividades perante a sociedade”.
Aos Juízes alinhados com os princípios consagrados nos Estatutos dos Magistrados Judiciais, levantem-se, unam-se e ousem dizer, em alto e bom som, à Direção ilegal do STJ e do CSMJ e a todos interfiram na justiça:
BASTA, BASTA, BASTA, BASTA!
A Guiné-Bissau merece uma Justiça Célere, Competente, Independente e Imparcial.
Adriano Oliveira
Consultor Jurídico