FONTE: DEUTSCHE WELLE
O político Braima Camará acredita que o Estado democrático de Direito morreu na Guiné-Bissau. Camará critica a decisão do Supremo Tribunal de Justiça da Guiné-Bissau que o afasta da liderança do MADEM-G15.
Em voz alta e diante dos seus apoiantes fiéis, Braima Camará foi o primeiro político a insurgir-se contra a decisão do Supremo Tribunal de Justiça guineense, que o afasta da liderança do Movimento para a Alternância Democrática (MADEM-G15).
"Quero dizer-vos que hoje é um dia de luto nacional, um dia de muita tristeza, um dia de assassinato da Justiça e democracia", afirmou.
Ontem, o tribunal validou o congresso extraordinário de uma ala adversária a Braima Camará, em que a veterana Satú Camará foi eleita como nova líder. Braima Camará anunciou, entretanto, uma batalha judicial "jamais vista" para defender a sua direção no MADEM-G15.
"Não é o fim, mas o início de um processo para defender as nossas conquistas. Vamos até às últimas consequências, sem violência."
Hoje, Satú Camará solicitou formalmente a Braima Camará que faça a transferência de poder até 6 de setembro.
Justiça como "arma de arremesso"
O jurista Luís Vaz Martins diz à DW que duvida muito que o resultado desse provável contencioso judicial vá contra a decisão já tomada pelo Supremo.
"A Justiça está a ser utilizada como arma de arremesso para um exercício que deveria ser pacífico dentro da atividade política. O Supremo Tribunal de Justiça está ao serviço do Presidente Umaro Sissoco Embaló", refere Vaz Martins.
Apesar da decisão do Supremo, o MADEM-G15 deverá continuar a ter duas direções paralelas. Braima Camará recusa-se a apoiar Satu Camará como coordenadora do partido.
"Legal e verdadeira representante do MADEM-G15 é esta direção que é coordenada por mim", disse Braima Camará.
Camará insiste também que o Presidente Umaro Sissoco Embaló é a fonte da instabilidade no seu partido.
O QUE DIZ O PRESIDENTE DA REPÚBLICA
O Partido da Renovação Social (PRS) foi o primeiro a provar o veneno da divisão em duas alas. Félix Nandungue, pró-Sissoco Ebaló, inconformou-se com a direção de Fernando Dias e fundou uma direção paralela.
O Presidente guineense garante que não tem qualquer interesse em envolver-se em questões políticas.
Mas, sobre o MADEM-G15, disse também que Braima Camará "pisou a linha vermelha" ao levar o partido a assinar um acordo com o Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), chefiado por Domingos Simões Pereira.
AS MUDANÇAS NA GUINÉ-BISSAU
A incerteza tomou conta da Guiné-Bissau, que, no passado, serviu de exemplo a outros na luta pela conquista de liberdades, como disse recentemente o primeiro-ministro de Timor-Leste, Xanana Gusmão.
A Guiné-Bissau mudou. Hoje, discute-se, nas redes sociais, se o que resta do país e das suas instituições pode ou não ser considerado um Estado.
Luís Vaz Martins, defensor dos Direitos Humanos, lamenta que o país tenha regredido tanto: "Foi um país outrora resiliente, líder nas liberdades de expressão e de imprensa. Hoje há uma tentativa de uma única entidade açambarcar todos os poderes e silenciar as vozes críticas."
Tudo vai de mal a pior, acrescenta o analista – o problema não se limitaria à questão das liberdades.
Há dez anos que há constantes sobressaltos no setor do ensino; as greves nas escolas públicas são frequentes. Os hospitais estão em estado de "coma". O Parlamento foi dissolvido em dezembro de 2023 e foi instalado um governo do Presidente da República, que dirige o país sem programa de governação, nem Orçamento Geral do Estado.
O ex-presidente do Supremo Tribunal de Justiça, José Pedro Sambú, foi forçado por homens armados com uniformes militares a assinar a sua renúncia ao cargo; o tribunal tem um presidente interino há mais de um ano, quando a lei prevê eleições num prazo de seis meses.
"Daí essa banalização do Estado. Tanto assim que o presidente interino do Supremo Tribunal decidiu, contra todas as regras, nomear um vice-presidente, embora o próprio saiba que ele não é vice. Os dois devem ser eleitos e não nomeados", sublinha Vaz Martins.
A atual tensão política até já provocou um cisma na principal central sindical do país. A União Nacional dos Trabalhadores da Guiné (UNTG) tem agora duas direções paralelas, uma pró e outra contra o Presidente Umaro Sissoco Embaló.