sexta-feira, 2 de agosto de 2024

DESCONTROLE - "Não há controlo e os contratos são assinados"

FONTE: DEUTSCHE WELLE

O anúncio do primeiro furo de prospeção de petróleo em águas da Guiné-Bissau está a causar polémica. O professor e ativista Fodé Mané fala em falta de transparência na gestão dos recursos que pertencem ao povo guineense.

A Guiné-Bissau é um país rico em matérias primas como o petróleo. As potencialidades em hidrocarbonetos, no 'offshore' (zona do mar) guineense, são grandes, segundo os peritos. Mas até agora apenas existem vários projetos de prospeção, que são levados a cabo com falta de transparência.

O primeiro furo de prospeção de petróleo em águas profundas da Guiné-Bissau realiza-se no próximo dia 8 de setembro, informou esta quinta-feira (01.08) o diretor-geral da estatal dos petróleos Petroguin, Celedónio Vieira.

Desde os tempos do Presidente Nino Vieira que se elaboram regularmente contratos com empresas estrangeiras ou estados vizinhos, sem se dar explicações ao povo, nem pedir o aval a instâncias competentes, como a Assembleia Nacional Popular, afirma Fodé Mané, professor de Direito e ativista dos direitos humanos.

DW África: Que problemas identifica nos contratos de exploração de recursos naturais na Guiné-Bissau?

Fodé Mané (FM): Não há transparência, não há controlo e os contratos são assinados. Não têm competência, mas são feitos de uma forma clandestina com países como o Senegal e atrás do Senegal temos as grandes multinacionais, como a francesa Total.

DW África: A falta de transparência vem de longe. O Presidente Nino Vieira assinou um contrato com o Senegal sobre o aproveitamento dos hidrocarbonetos na chamada Zona Económica Conjunta (ZEC), contrato esse que depois foi rasgado por José Mário Vaz. Depois houve um contrato do Presidente Sissoco Embaló com o seu homólogo Macky Sal, do Senegal, que foi declarado inválido pelo Parlamento da Guiné-Bissau. Portanto, a falta de transparência vem de longe.

FM: Na época em que o contrato foi assinado por Nino Vieira, havia um contencioso que inclusivamente passou no Tribunal Arbitral Internacional. Tínhamos um sistema de presidencialismo puro em que o Presidente da República tinha todas as competências e o Nino Vieira agiu na base do sistema jurídico que havia, mas mesmo assim foi questionado. As pessoas disseram não. A solução que o Senegal encontrou é apoiar um regime na Guiné-Bissau que possa violar tudo o que está na lei e conseguir um acordo. No caso do acordo entre Macky Sal e Umaro Sissoco Embaló, os deputados que questionaram o acordo foram perseguidos. Essa história começou sempre com a falta de transparência.

DW África: Falando do petróleo em águas profundas da Guiné-Bissau, soube-se agora que o primeiro furo será realizado por um consórcio formado pela Petromal, dos Emirados Árabes, e pela Lukoil, a maior companhia de petróleo da Rússia. Essas decisões foram tomadas e discutidas publicamente com a devida transparência?

FM: Na Guiné-Bissau, de acordo com o nosso sistema jurídico, qualquer acordo tem que ser ratificado pelo Parlamento. Isso não aconteceu. Para que haja concessão de um determinado património público, deve haver um concurso transparente e ninguém teve conhecimento da existência de um concurso. Foi adjudicação direta. O consórcio que referiu é um consórcio de empresas oriundas de países nas quais os direitos humanos, a legalidade, e o Estado de Direito democrático não são questionados. E o dinheiro que vem desse petróleo, da negociação, quem é que vai controlar? Ninguém.

DW África: Essa falta de transparência existe também noutros setores. Refiro-me à pesca, ao caju ou às madeiras?

FM: A transparência só é garantida quando há prestação de contas e quem aprova é o Parlamento. Vamos ver o caso do peixe. Há um acordo assinado por este Governo com a União Europeia (UE) de 20 milhões de dólares por mês, no qual os 27 países da UE têm possibilidade de pescar nas águas da Guiné-Bissau. Esse dinheiro é pago diretamente ao Governo e a UE não quer saber como é que este Governo vai utilizar aquele dinheiro. Isso acontece em tudo. A via ideal para tudo isso era a existência de um Estado de direito democrático, onde todas as instituições funcionam e têm de prestar contas.

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