sexta-feira, 12 de julho de 2024

CARLOS LOPES: Prémio Gulbenkian 2024 “acaba por ter a ver um pouco com aquilo que já se faz, mas, sobretudo, com aquilo que se deve fazer”

 FONTE: TSF


Carlos Lopes é um sociólogo especialista em desenvolvimento económico. Desde 2018 é Alto Representante da União Africana para as negociações com Europa. Foi secretário-geral adjunto das Nações Unidas e tem ocupando vários outros postos internacionais, entre os quais, o de secretário executivo da Comissão Económica das Nações Unidas para África. Membro do júri do Prémio Gulbenkian, explica, em entrevista à TSF, as razões das escolhas deste ano.


Estes vencedores do Prémio Gulbenkian correspondem a uma renovada aposta na importância da agricultura?


Os vencedores correspondem a uma nova vaga de preocupações, cada vez maior, em relação à forma como nós vamos ter que desenvolver a agricultura, passar para uma agricultura que seja muito mais respeitosa do ambiente e que tenha em consideração as alterações climáticas. E, portanto, acabou por ser quase orgânico identificar, no conjunto das propostas que o júri teve para deliberar, aquelas que tivessem, digamos, um corpo comum. E, neste caso, o corpo comum é a agricultura sustentável. Nós temos grandes dificuldades hoje com mudanças extremas de clima que vão obrigar a humanidade a alimentar-se de uma forma diferente. Não vamos poder continuar da mesma forma. Portanto, temos que privilegiar situações onde isso está a acontecer e experiências que podem ser replicáveis e que podem passar a uma escala maior e, claro, nos países onde estão inseridos estes projetos, que são países muito populosos do sul global, isto tem uma importância ainda maior. Portanto, acaba por ser um prémio que tem a ver um pouco com aquilo que já se faz, mas, sobretudo, com aquilo que se deve fazer.

O júri avaliou 181 candidaturas de 117 nacionalidades. É o maior número de sempre, em termos de nomeações, e a maior distribuição geográfica de propostas para o prémio. O senhor faz parte deste júri, presidido pela ex-chanceira alemã Angela Merkel, o que é que nos pode dizer sobre cada um deles? O Andhra Pradesh Community Managed Natural Farming, a PCNF, o que é? Cada um destes projetos tem características específicas em relação ao tema global que nós privilegiamos, que é o tema da agricultura sustentável. No caso do projeto na Índia, Andhra Pradesh é um projeto estatal do conjunto desse estado da Índia, que é um grande estado da confederação indiana, e que privilegia a atividade das mulheres. Portanto, tem aqui uma componente de género que nos pareceu também super interessante e que tem, através da disseminação de novas técnicas para a utilização, nomeadamente da agricultura biológica, a possibilidade de mudar a forma como as pessoas veem a sustentabilidade. Portanto, passar a um modelo em que elas veem que há uma renda e um valor acrescentado associado à agricultura biológica, mas é feita junto de mulheres e, portanto, também altera um pouco a sociologia do lugar, porque passa a dar muito mais importância a formas de distribuição de renda, que até aqui não tinham sido, digamos, as mais privilegiadas na Índia. E, portanto, pareceu-nos que esse conjunto de características eram particularmente interessantes e, portanto, o prémio também tem a ver com o facto de que esta iniciativa já tem pernas para andar, já demonstrou uma grande capacidade de disseminação e, portanto, esperamos que possa ainda ser maior na Índia. O prémio relativamente ao Sr. Rattan Lal, que é um cientista, que é muito conhecido nos meios ligados à agricultura, mas também aos meios ligados à mudança climática, é porque ele introduz uma nova forma de nós concebermos a relação com o solo. É, portanto, tentar fazer com que o solo seja central na maneira como nós concebemos a agricultura e, portanto, não vamos cultivar, por exemplo, em solos que não são os mais apropriados em termos climáticos, mas também em termos da sua preservação, não fazer determinado tipo de culturas industriais em solos que são frágeis, fazer uma espécie de cartografia permanente dos solos e da sua capacidade para poder sustentar determinados tipos de agricultura. E, portanto, isto leva a que, por exemplo, não aconteçam as desgraças que nós estamos a ver na Amazónia, não é? Devastar grandes zonas com incêndios para poder produzir proteína animal. Portanto, é este tipo de objetivo. O que é interessante também com o Professor Ratan Lal, que é um cientista com excelente ranking em termos de publicações e citações, é que ele tem um pé no Egito e tem um pé nos Estados Unidos. Ele mesmo, através da sua intervenção, é uma ponte entre o Norte e o Sul. E, portanto, ele tem uma atividade também muito interessante a que está associado, que é de um grande conglomerado que foi criado também parcialmente por ele. O SEKEM, que é o terceiro, digamos, honrado por este prémio neste ano, em que existe uma iniciativa que é a iniciativa da Biodinâmica de Agricultura e que é, na realidade, uma rede de pessoas que trabalham na agricultura com práticas regenerativas. Ou seja, tem um pouco a ver com a ideia do solo, mas aqui é também como recuperar solos, como fazer com que eles tenham uma vida suplementar e sejam tratados com a qualidade necessária para poder ser sustentável. Portanto, são três grandes premiados. Estamos muito felizes e honrados por fazer também estas várias pontes com o género, com o Norte-Sul, entre ciência e prática, entre governos e entidades privadas.


A principal iniciativa da SEKEM no âmbito da agricultura regenerativa é a Associação Biodinâmica Egípcia, que já apoiou mais de 5 mil agricultores e converteu mais de 12 mil hectares de terra. O senhor tem insistido muito na ideia de que a inovação é fundamental para a redução das desigualdades.


Sim, porque nós temos hoje em dia, digamos, três grandes megatendências que estão a alterar completamente a geopolítica mundial, mas também as possibilidades de nós olharmos o desenvolvimento de forma diferente. Nós sabemos que o desenvolvimento produziu grandes reduções de pobreza. Nós sabemos que o desenvolvimento permitiu um avanço enorme na qualidade de vida das pessoas, vê-se, por exemplo, em termos de longevidade, vê-se em termos de mortalidade infantil e materna, etc. Tudo isso é verdade. E sabemos também que o consumo mundial aumentou consideravelmente. O número de pessoas pobres em percentagem em relação ao que tínhamos há 100 anos, é drasticamente reduzido. Mas este desenvolvimento produziu dois grandes problemas. Produziu o problema da desigualdade crescente e produziu também o problema do clima, que está a ser afetado pela forma como nós nos desenvolvemos. E, portanto, nós podemos corrigir uma coisa e outra. E, quer dizer, o que é cada vez mais transparente, é o que eu defendo, é que não se pode corrigir uma sem a outra. Não podemos resolver o problema do clima sem atacar a questão da desigualdade e não podemos resolver a questão da desigualdade ou fazer o desenvolvimento sem tomar em linha de conta o clima. Já não é possível. Antes era possível, hoje já não é mais.


Mas, portanto, a inovação é importante para reduzir as desigualdades; mas se o desenvolvimento tecnológico também pode agravar essas desigualdades, qual é o caminho? O caminho é fazer chegar o desenvolvimento e a inovação ao benefício daqueles que estão na parte mais baixa da pirâmide social?


É, sobretudo, termos esta noção de que se nós vamos atacar a desigualdade e o clima, já não é mais por falta de inovação, já não é mais por falta de conhecimento, é por falta de nós podermos aplicar aquilo que estamos já conhecedores e a descobrir. E, portanto, é disseminação. Essa disseminação não pode ser feita como antes, com a ideia de transferência e a tecnologia tem que ser feita com a ideia de empoderamento das pessoas para a utilização da tecnologia e, portanto, a inovação tem também uma componente frugal. E, portanto, países como a Índia, por exemplo, estão bastante à frente em demonstrar como a frugalidade também é ela própria uma inovação. E nós temos os exemplos da África de, por exemplo, reciclagem, de transformação da realidade das pessoas com poucos meios que são, no fundo, inovações de sustentabilidade que nós precisamos de valorizar e trazer a componente tecnológica. As guerras que temos no mundo e os relatórios indicam que nunca, desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo teve tantos conflitos como agora, mas há algumas com mais impacto que outras, embora para as populações locais a guerra que está mais próxima é naturalmente aquela que lhes diz mais respeito, mas se pensarmos no impacto que a guerra na Ucrânia tem no mercado de cereais e do que isso se reflete depois também nos países do mundo em desenvolvimento, o que é que estas guerras estão a fazer a esses países?


Se juntarmos as guerras às alterações climáticas, temos aqui o caldo perfeito para depois os movimentos migratórios, as instabilidades políticas, o aumento dos extremismos…


Nós, na realidade, temos uma confluência de crises, uma que resultou da pandemia, portanto que teve impactos que ainda estamos a tentar absorver, como, por exemplo, a inflação mundial, como a deterioração das moedas dos países do sul global, que perderam muito valor, enfim, temos o problema da dívida e, portanto, estes problemas resultaram em grande parte do sistema financeiro, como ele funciona, mas também da forma como se geriu a pandemia, enfim, tinha que se fazer alguma coisa para poder passar por um período sem produção mundial e sem uma base de comércio a que nos habituámos. E depois vêm, digamos, os outros impactos, a guerra na Ucrânia traz esse problema dos cereais e, portanto, a repercussão é no conjunto, porque para além dos cereais é também nos fertilizantes, é no conjunto da produção agrícola mundial. Depois temos as tensões e as polarizações resultantes do clima porque são o resultado da transição energética que redistribui as cartas e que faz com que a logística mundial comece a ser feita em função daquilo que é amigável ao clima, como taxas de carbono ou, então, com razões de segurança que alteram completamente com quem é que se deve comerciar e em que base, e, portanto, tudo isto é um cocktail que depois produz os conflitos. Porque a partir do momento em que isto se transforma em custos de vida para as pessoas, em custos aumentados em várias facetas, não só a inflação, mas para além da inflação a dificuldade de poder aceder ao crédito, o facto de que o consumo passe a ser mais caro para certos produtos e serviços, enfim, nós temos o cocktail perfeito para crises e em alguns sítios essas crises transformam-se em conflitos. E, portanto, nós vamos viver um período em que precisávamos muito de um multilateralismo que funcionasse e estamos a caminhar na direção oposta e cada vez com mais dificuldades em que o sistema multilateral possa responder às crises.


Mas quando olha, por exemplo, para a África, para a situação atual da África, e com base até na sua experiência internacional, o trabalho que fez em Adis Abeba, consegue encontrar atualmente no continente africano vários exemplos positivos de países que estão no bom caminho?


Sim, temos felizmente países que estão no bom caminho, temos países que estão a fazer as coisas certas em termos de estrutura económica, mas mesmo esses países estão a viver as repercussões desta crise e, portanto, acaba por afetar a qualidade da governação que deveria emergir resultante das transformações económicas e estamos a ter aqui uma espécie de paradoxo em que alguns países crescem, fazem as coisas que são necessárias, por exemplo, para a industrialização, para a transformação do setor mineiro ficar mais próximo da produção nacional e doméstica, fazem essas coisas, mas depois não são capazes de gerir uma população muito jovem e contestatária e que não está disposta a esperar.


Em que países é que se está a pensar?


Eu estou a pensar, por exemplo, no Quénia, que é um país que estava a crescer nos últimos 10 anos a mais de 5%, é um país que tem uma grande transformação económica, conseguiu, por exemplo, que a sua matriz energética fosse praticamente toda renovável, fez investimentos gigantescos na área dos transportes, tem uma industrialização em curso que se acelera, tem um setor de serviços que se moderniza e, no entanto, as populações não estão dispostas a esperar e contestam porque é uma população muito jovem que não vê refletida na governação alguns destes avanços. E uma boa parte é porque o Quênia perdeu acesso ao crédito, o Quênia não pode fazer, digamos, o rollover da sua dívida, como normalmente todos os países fazem, por causa da pandemia e por causa da inflação e por causa do aumento do risco em África. Portanto, as repercussões internacionais acabam por chegar ao terreno doméstico.

Eu estou a pensar, por exemplo, no Quénia, que é um país que estava a crescer nos últimos 10 anos a mais de 5%, é um país que tem uma grande transformação económica, conseguiu, por exemplo, que a sua matriz energética fosse praticamente toda renovável, fez investimentos gigantescos na área dos transportes, tem uma industrialização em curso que se acelera, tem um setor de serviços que se moderniza e, no entanto, as populações não estão dispostas a esperar e contestam porque é uma população muito jovem que não vê refletida na governação alguns destes avanços. E uma boa parte é porque o Quênia perdeu acesso ao crédito, o Quênia não pode fazer, digamos, o rollover da sua dívida, como normalmente todos os países fazem, por causa da pandemia e por causa da inflação e por causa do aumento do risco em África. Portanto, as repercussões internacionais acabam por chegar ao terreno doméstico.

Seja um Vencedor. Aposta e Ganha.

J o gue Online em   👉  BWinners 💰 ? 15.000.000F MEGA JACKPOT  💰 !   ⚽  Teste suas habilidades prevendo os resultados de 14 emocionantes j...