FONTE: EXPRESSO
Domingos Simões Pereira nasceu a 20 de outubro de 1963 na cidade de Farim, no norte da Guiné-Bissau. Formado em Engenharia Civil e Industrial, foi primeiro-ministro entre 2014 e 2015, depois de já ter ocupado as pastas do Equipamento Social (2002-2003) e das Obras Públicas, Construções e Urbanismo (2004-2005). Foi também secretário executivo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa entre 2008 e 2012.
É atualmente presidente do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) e da Assembleia Nacional Popular. A 4 de dezembro do ano passado, o Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, dissolveu o órgão legislativo, alegando agir para travar “uma tentativa de golpe de Estado”. A dissolução do Parlamento foi prontamente criticada por especialistas, que a descreveram como “inconstitucional” e disseram carecer de “força jurídica”. De facto, o ponto 1 do 94.o artigo da Constituição da República da Guiné-Bissau refere que “a Assembleia Nacional Popular não pode ser dissolvida nos 12 meses posteriores à eleição”. Ora, as últimas legislativas ocorreram a 4 de junho de 2023, o que significa que o Presidente dissolveu o órgão legislativo seis meses depois do ato eleitoral – ou seja, só havia passado metade do tempo definido constitucionalmente para que pudesse fazê-lo. Meio ano após a dissolução, o Expresso falou com Domingos Simões Pereira no terceiro e último dia da edição deste ano do Estoril Political Forum, organizado pelo Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, no Hotel Palácio Estoril.
A 1 de junho, manifestou disponibilidade para concorrer às eleições presidenciais. Em entrevista à agência Lusa, lembrou que o mandato de Umaro Sissoco Embaló termina em fevereiro de 2025, pelo que sobram oito meses para organizar as próximas eleições. Conta reunir o apoio do PAIGC e dos partidos que integram a coligação que lidera?
Bom, penso que uma candidatura presidencial, tendo em conta o regime constitucional vigente, apela sempre a uma visão o mais alargada possível. Certamente que, para validar, precisa-se sempre e, sobretudo, da escolha favorável dos militantes e dos simpatizantes do partido, mas, com certeza, seria com muito agrado que acolheria a adesão de outros partidos e, sobretudo, diria até, dos que, não tendo filiação partidária direta, se manifestem disponíveis e favoráveis a apoiar a minha candidatura.
Se o Presidente da República não tivesse dissolvido o Parlamento em dezembro, a sua disponibilidade para avançar com uma candidatura às presidenciais também surgiria agora ou decorre da instabilidade que essa dissolução instalou no país?
Compreendo o sentido da questão mas, para ser mais objetivo na resposta, devo dizer que o não cumprimento da Constituição já vem de trás. Eu ter sido apontado pelo meu partido e pela coligação que lidero para presidir à Assembleia Nacional Popular tem a ver com o facto de, em anos anteriores, em 2015 e 2018, depois de termos vencido as eleições com maioria absoluta e eu ser o presidente do partido, não nos ter sido permitido governar. E, portanto, chegou uma altura em que se entendeu que era preferível ir para a Assembleia Nacional Popular criar as condições políticas necessárias para poder, de facto, beneficiar de um quadro político bastante mais favorável. Por isso, é difícil dizer, é difícil dizer. Penso que se, em 2015, tivesse sido possível continuar o programa de governação que tínhamos apresentado ao país e que vínhamos executando, seria muito pouco provável apresentar-me como candidato presidencial.
Mas essa disponibilidade já tinha surgido em 2015 e 2018?
Não, em 2015 eu queria era governar e, sendo o presidente do partido, tinha recebido um mandato do meu partido para governar, que foi sufragado depois por todos os guineenses. A partir do momento em que ficou evidente que havia muitos atores políticos com dificuldades em aceitar a regra democrática e que não reconheciam o direito de o partido maioritário formar governo e governar, o meu partido, a minha coligação, entendeu que tinha de encontrar um candidato presidencial e, nessa altura, pelo menos em 2019, a escolha recaiu em mim. Espero que volte a ser, mas é um exercício que cabe aos militantes e dirigentes desses partidos.
Tem falado numa “deriva antidemocrática” de Sissoco Embaló, que acusa de “procurar distrair as pessoas com questões acessórias como as legislativas” – isto porque as legislativas ocorreram a 4 de junho de 2023 e, exatos seis meses depois, o Presidente dissolveu o Parlamento. A dissolução sem respaldo constitucional é apenas um episódio dessa deriva?
Há muitos mais. Penso que o problema é bem mais grave. A vocação das instituições políticas é representar a aspiração do povo, que é governar o país no sentido de criar as condições para que os cidadãos se sintam realizados e encontrem oportunidades para uma vida melhor. Não podemos estar permanentemente em disputas eleitorais como se fosse o único sujeito deste exercício político. Não. As instituições não existem para brigar e para estarmos permanentemente em quezílias, mas para transformarmos o nosso país, para avançarmos. E, portanto, não devia ser uma responsabilidade exclusiva dos partidos políticos. Devia começar pelo Presidente da República, pelo presidente da Assembleia, pelo primeiro-ministro, por todos os titulares de órgãos públicos e políticos compreender que, a partir do momento em que o povo se afirma livremente em termos das suas escolhas, os escolhidos têm como principal missão utilizar os instrumentos que estão ao seu dispor para materializar a aspiração do povo e não o contrário. Primeiro há uma componente legal e, se a Constituição diz que nos primeiros 12 meses não pode haver a dissolução do Parlamento e especifica de forma muito clara que em nenhuma condição tal pode acontecer, todos deviam sentir-se obrigados a respeitar essa disposição. Mas, independentemente dessa disposição, a nossa vocação não é criar bloqueios. A nossa vocação é encontrar soluções de compromisso, de entendimento, de consenso, de tudo o que for possível e necessário para que, de facto, os objetivos sejam alcançados. E o objetivo é o desenvolvimento do país.
O constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia classificou em dezembro a dissolução do Parlamento como “inconstitucional, inválida e sem força jurídica”. Mais recentemente, numa conferência internacional em Bissau, perguntou por que razão não entrou qualquer queixa nos tribunais guineenses a contestar essa dissolução. Não se trata aqui de uma ingerência de um constitucionalista português em assuntos que dizem respeito à Guiné-Bissau? Mas, já agora, por que razão não avançou qualquer queixa?
Não quero dar demasiada importância a essa questão. Acho que já se falou o suficiente. Bacelar Gouveia – ou qualquer constitucionalista – terá o direito de opinar sobre as realidades, como, por exemplo, a realidade guineense, que tem muito a ver com a realidade constitucional portuguesa. Mas as opiniões valem o que valem e deviam realmente ser utilizadas como opiniões e não mais. Não quero dar essa primazia,
porque não sei se Bacelar Gouveia tem toda a informação. Eu teria curiosidade em saber se ele acha que as eleições devem acontecer antes do fim do mandato ou podem acontecer depois do fim do mandato, porque se me responder a essa questão, ficarei mais elucidado para perceber o seguinte: se o mandato vai até 27 de fevereiro de 2025, como é que nos propõe eleições depois dessa data? O que vai acontecer entre 27 de fevereiro de 2025 e a data que nos propõe para as eleições? Em relação à questão de saber por que motivo não se coloca o assunto ao nível do Supremo Tribunal de Justiça, tem toda a razão, esse devia ser o caminho a ser percorrido. Mas estará ele informado de que o presidente do Supremo Tribunal de Justiça foi obrigado a demitir-se? Estará ele informado de que, neste momento, o Supremo Tribunal de Justiça não tem quórum para funcionar em plenária? Saberá ele que o que tem funcionado no Supremo Tribunal de Justiça são elementos que foram cooptados por quem foi designado pelo Presidente e não escolhidos pelos seus pares? Estará ao corrente disto tudo? Portanto, se, mesmo estando ao corrente disto tudo, mantém essa posição, continua a ter direito a ter essa opinião. Agora, enquanto guineense, penso que se escolhemos a via do constitucionalismo democrático e do Estado de Direito democrático, queremos que as leis prevaleçam. E não me parece que esse seja um alinhamento com as disposições legais em aplicação na República da Guiné-Bissau.
Logo após a dissolução do Parlamento, garantiu que a atividade legislativa continuaria, mas, nas semanas e meses seguintes, deputados foram impedidos de entrar na Assembleia Nacional Popular. Como tem funcionado a casa da democracia guineense no último meio ano?
Não tem funcionado. Em termos de produção legislativa, de debate dos assuntos e de acompanhamento da ação governativa, não tem funcionado. Mas não é a primeira vez que isso acontece. Há quem não queira apresentar contas, há quem não queira respeitar as regras democráticas. Portanto, dissolve-se o Parlamento, muda-se de governo, cria-se um governo de iniciativa presidencial, que não tem respaldo na nossa Constituição, e governa-se, assinam-se acordos e compromissos, assume-se até o endividamento do país sem que isso passe pela Assembleia. Deve ser o paraíso em termos de governação. Temos tentado manter informadas as instâncias internacionais a que a Guiné-Bissau pertence sobre a realidade que se vive no país. O tal 4 de dezembro, contrariamente ao que se tentou dizer entre 30 de novembro e 1 de dezembro, foi efetivamente um golpe de Estado. Um golpe de Estado constitucional que foi dado na Assembleia, colocando forças militares que impediram – e continuam a impedir – o acesso dos parlamentares eleitos para o seu devido funcionamento. Isto é absolutamente bizarro, porque, mesmo que estivéssemos em presença de uma dissolução legal, constitucional e, portanto, normal, o que aconteceu recentemente em Portugal... Não se impediu que o Parlamento funcionasse normalmente. Quem devia decidir qual deve ser o formato do funcionamento das instâncias da Assembleia Nacional Popular? A Comissão Permanente. Há um decreto, há uma Comissão Permanente da Assembleia que é convocada, reúne-se e, em plena liberdade, os deputados decidem qual deve ser o formato do seu funcionamento. Não foi o que aconteceu, houve logo uma força militar que foi colocada pelo Presidente da República para impedir o acesso de todas as estruturas, incluindo o presidente da Assembleia. As verbas de funcionamento foram congeladas, o meu próprio salário e os de alguns dos meus assessores foram congelados numa absoluta demonstração de autoritarismo, de princípios ditatoriais, para mostrar que quem tem força é que manda.
Nos últimos dias têm chegado relatos de manifestantes chicoteados em protestos pacíficos, detenções e torturas. Jornalistas impedidos, “por ordens superiores”, de cobrir o julgamento de 25 pessoas acusadas de tentativa de golpe de Estado em fevereiro de 2022. A polícia a barrar a entrada da sede do PRS, um partido da coligação a que preside, para impedir uma reunião da Comissão Política. A polícia a lançar gás lacrimogéneo junto à casa do presidente interino do partido. Uma greve de cinco dias na saúde e educação. A sociedade guineense está em ponto de ebulição, com carências em vários domínios e um Presidente que responde com repressão?
Este regime não acredita nas regras democráticas, nas instituições, tem consciência de não reunir a aprovação da maioria dos guineenses. E opta pela violência, desde o início. Este tem sido um regime muito tingido de sangue, que tem agredido todos os que ousam pensar diferente e expressar, alto e bom som, a sua discordância relativamente à linha de atuação. Já são várias dezenas de pessoas sequestradas e brutalmente agredidas. Já houve várias situações de perdas de vidas humanas. Agora, de forma fria, pessoas são presas e, estando presas, são violentamente agredidas. E se estivéssemos aqui a avaliar o grau dessas agressões, basta dizer que há um que morre e provavelmente morre em resultado das condições da sua detenção. É um regime que acredita neste expediente. Mas não é em vão que isso acontece. Isso acontece porque, depois de ter exercido o poder durante quatro anos e estar no último ano do mandato – num mandato que até era questionável à partida –, este regime entra em desespero. Entra em desespero porque, por mais que tente adiar, nalgum momento vai ter de convocar eleições. E se convocar eleições e o povo guineense se mobilizar para, de facto, fazer uso do seu direito de expressão livre, certamente que este regime não tem qualquer hipótese. E, portanto, acreditam na anarquia e em criar um quadro de ebulição tal, do qual se querem servir para depois invocarem que não há condições, seja para realizar eleições, seja para permitir que o povo se exprima de forma livre. Antes destes acontecimentos de dezembro de 2023, eu já chamava a atenção que o nosso país se aproximava de uma condição de não-Estado. Hoje confirma-se. Hoje o narcotráfico volta a tomar conta do país, os desmandos tomam conta do país. São as próprias instituições com vocação para promover as regras democráticas, a justiça, os direitos fundamentais dos cidadãos que põem em causa esses direitos. Um dos últimos episódios que mencionou, do lançamento de granadas de gás lacrimogéneo, passou a ser norma na Guiné. Por tudo e por nada lançam-se granadas de gás lacrimogéneo. É preciso lembrar que isso já aconteceu, à repetição, na sede do PAIGC, nas imediações das residências de vários líderes políticos. Um líder político, o Agnelo Regalla, foi visado com um tiro que felizmente só atingiu uma perna. Esta tem sido a realidade que se vive na Guiné-Bissau e cada vez vai ganhando outros níveis de expressão.
Fazendo um pequeno desvio para a polémica que o acordo de cooperação técnico-militar entre São Tomé e Príncipe e a Rússia gerou, Sissoco Embaló disse que a Guiné-Bissau é um “aliado permanente” da Rússia e agradeceu o “apoio” de Vladimir Putin. Como é que se posiciona quanto ao entendimento militar de países africanos de expressão portuguesa com a Rússia num contexto de guerra na Ucrânia?
As relações entre a Guiné-Bissau e a União Soviética de então, não propriamente a Rússia, são, de facto, históricas. A União Soviética apoiou o esforço de guerra do PAIGC na altura e, nos primeiros anos da independência, aportou importantes apoios à Guiné-Bissau. Nesse aspeto, não há nada de novo. O que há de novo é que, havendo uma concertação ao nível da CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental], da União Africana e reconhecendo que há uma coligação mundial no sentido de evitar essas agressões que vão acontecendo, prevenir situações que podem pôr em causa todo o equilíbrio securitário mundial, haja países como a Guiné-Bissau que se entendem no direito de sair desse quadro e procurar soluções que não me parecem pensar na Guiné. Acho que são mais no sentido de tirar proveitos políticos do que de outra natureza. Tive a oportunidade de partilhar com Umaro Sissoco Embaló a minha visão em relação a isso e de lhe lembrar que, nos anos 70, em plena Guerra Fria, líderes como Amílcar Cabral, Abdel Nasser e vários outros líderes africanos tiveram a capacidade e a competência de, mesmo pressionados pelos dois campos, a NATO e o Pacto de Varsóvia, assumir uma terceira via, a via do não- alinhamento, de dizer que a nossa participação no mundo, por mais relativa e pequena que possa ser, deve ser no sentido de chamar à razão e ao entendimento e não de tomar partidos. Neste momento, não fazemos nada de novo. Quando dizemos que estamos do lado da Rússia ou da Ucrânia ou do lado da NATO ou contra a NATO, não ajudamos ninguém. Precisamos é de chamar a atenção de que, quando o multilateralismo perde espaço, quando a negociação não consegue resolver os problemas, países como a Guiné-Bissau perdem. E não é por via dessas proclamações que estamos a reforçar a nossa capacidade. Agora, sei que isso ganha popularidade. Num momento como este, quem não tem popularidade vai buscar estas ditas alianças porque espera que o povo aplauda esse tipo de posicionamentos. Penso que quem governa um país devia ter mais responsabilidades e pensar de forma bastante mais coerente.
E quanto à necessidade eventual de Portugal fazer reparações às antigas colónias, como Marcelo Rebelo de Sousa tem defendido?
Senti que é um assunto tratado como polémico, o que, por um lado, surpreende, por outro lado, podia até chocar, mas penso que, em certa medida, estamos habituados a isso. É triste que a humanidade tenha dificuldades em reconhecer, por exemplo, que a escravatura foi muito dura e perniciosa para alguns continentes, nomeadamente o continente africano. É muito complicado discutir a questão da democracia e não reconhecer que o colonialismo teve efeitos negativos. Agora, também me pareceu que, ao colocar-se essa questão, as pessoas olharam automaticamente para a compensação financeira e isso gerou o tal posicionamento. Como é que me posiciono? Penso que, independentemente das implicações que isso deve ter, devia haver um reconhecimento de que o fenómeno colonial foi negativo para esses países, nomeadamente para os países africanos. Em consequência disso, e numa altura em que todos trabalhamos no sentido de criar laços, parcerias, cooperação, que essa cooperação e esses laços sejam criados e alimentados com base num diálogo sem complexos. Mas esse complexo não vai deixar de existir se não nos libertarmos dessas amarras do passado. É o que me parece que a tal afirmação do reparo devia abordar, e não necessariamente a componente financeira. Quando se parte da componente financeira, criam-se ou acentuam-se ainda mais esses complexos que levam a esse tipo de afirmações.
Estamos no centenário do nascimento de Amílcar Cabral e, do que tenho lido, não se nota da parte do Presidente da Guiné-Bissau um grande fulgor comemorativo. Sissoco Embaló tenta apagar a memória do líder histórico nacional? Terá ciúmes de Amílcar Cabral e da sua importância na história da Guiné-Bissau?
Isso deixarei para ele avaliar e decidir, até porque admitir que tem ciúmes de Amílcar Cabral seria dar-lhe um estatuto que não sei se tem. Não sei e não seria eu a outorgar-lhe esse estatuto. Cabral é mais do que um símbolo, é alguém que nos deixa um legado de pensamento político e ideológico muito grande. E, portanto, é triste quando, ao comemorar o seu centenário, haja realmente essas hesitações. Felizmente, tanto partidos políticos como muitas organizações da sociedade civil, não só na Guiné e na sua diáspora como no mundo, vão colmatando essas brechas. Tenho participado em vários eventos organizados por universidades e várias organizações. E penso que é o que honra Cabral. Penso que Cabral não fica, de forma alguma, diminuído, mesmo que o seu próprio país olhe para o lado e não mobilize as atenções necessárias para o seu reconhecimento. Quando esse reconhecimento vem e a atualidade do seu pensamento continua a ser debatida por universidades muito credíveis à volta do mundo – ainda há programas de mestrado sobre o seu pensamento –, penso que Cabral fica devidamente tratado e reconhecido por esses atos. Enquanto guineense e líder político, não tenho nenhum problema em reconhecer a grandeza do pensamento desse senhor. Mas já não o vejo como um senhor, vejo-o como um símbolo que apela à nossa unidade, ao debate sobre os elementos que podem realmente estruturar uma nação forte e, com base nessa nação forte, construir um Estado que possa realmente fazer a transição para não só o princípio democrático, mas também o desenvolvimento ambicionado pelo povo guineense.
No final de outubro, o Presidente português recebeu o homólogo guineense no Palácio de Belém e elogiou “a estabilização institucional da Guiné-Bissau”. Pouco mais de um mês depois, Sissoco Embaló dissolveu o Parlamento. Tem tido algum eco do acompanhamento que Marcelo Rebelo de Sousa fez no último meio ano, desde que a Assembleia Nacional Popular foi dissolvida?
Eu sempre disse, apesar de nalguns momentos as minhas palavras terem sido mal interpretadas, que não peço contas aos governantes portugueses. Os governantes portugueses e os governantes de cada um dos nossos países prestam contas aos seus cidadãos. E, portanto, essa afirmação de Marcelo Rebelo de Sousa será, a seu momento, escalpelizada pelos cidadãos portugueses. Contudo, não podemos deixar de reconhecer que os laços que unem Portugal aos territórios que foram suas colónias ainda são muito fortes. E muito daquilo que se diz e faz em Portugal ganha relevo e importância nas nossas latitudes. Isso devia convidar as autoridades a terem mais atenção a essas proclamações. Porque, quer dizer, ignorar o número de pessoas que têm sido alvo de agressões, a forma como as instituições têm sido tratadas na Guiné, a falta de liberdades e de direitos fundamentais dos cidadãos e ainda fazer este tipo de proclamações chega a parecer até uma provocação. Mas, mais uma vez, não me compete fazer este tipo de avaliação. Considero- me um amigo do povo português. Vou continuar a olhar e a relacionar- me com o povo português como um povo irmão, respeitando o seu direito a escolher o seu caminho e a seguir os seus dirigentes. Foram e continuam a ser proclamações infelizes. Mas isso é a minha avaliação que não obriga nenhuma entidade portuguesa.