quinta-feira, 9 de maio de 2024

ONDA DE CALOR EM BISSAU - Abate de árvores: "Ato normal" ou "crime ambiental"?

FONTE: DEUTSCHE WELLE 

O Ministro do ambiente da Guiné Bissau afirmou que é "normal" abater árvores centenárias alegando que as árvores derrubadas "já atingiram o seu clímax". Engenheiro florestal e ambientalista não esconde a sua indignação.

A polémica está instalada há já vários meses na capital da Guiné-Bissau. Representantes de organizações de defesa e proteção do meio ambiente, assim como muitos cidadãos comuns, têm criticado o Ministério das Obras Públicas e a Câmara Municipal de Bissau pelo derrube de árvores centenárias nas principais artérias do centro da capital.

O ministro do Ambiente, Biodiversidade e Ação Climática da Guiné-Bissau, Viriato Cassamá, disse esta semana à agência Lusa ser "normal" o abate de árvores de fruta.

Para Cassamá, trata-se de um processo de requalificação urbana e, assim, em algumas zonas de Bissau foi decidido abater "mangueiras centenárias" e substituí-las por novas árvores. O ministro afirmou que as árvores derrubadas "já atingiram o seu clímax" por já não conseguirem "sequestrar o carbono" e "constituem um perigo público principalmente na época das chuvas".

Em entrevista à DW África, o engenheiro Constantino Correia, dirigente da Organização Não Governamental guineense "Ação para o Desenvolvimento", afirma que está indignado com as explicações de Viriato Cassamá. 

Correia manifesta desacordo com o que considera "um crime ambiental" e um "atentado contra a qualidade de vida dos cidadãos da capital guineense".

DW África: O que é que aconteceu ou está a acontecer com as árvores centenárias na Baixa de Bissau e que tanta polémica está a provocar entre os cidadãos da capital?

Constantino Correia (CC): Há um processo de requalificação na parte velha de Bissau. Uma das zonas, a avenida à frente do hospital, tinha uma grande quantidade de árvores, quase todas mangueiras centenárias. Penso que quiseram asfaltar a estrada e optaram por derrubar por completo as árvores.

DW África: Como descreveria a utilidade dessas árvores agora abatidas?

CC:  A cidade de Bissau é uma cidade muito poluída com gases de carbono e essas árvores desempenhavam um papel extremamente importante de captar esses gases carbónicos. E mais, num processo de transpiração há uma emissão muito grande de vapor de água para a atmosfera, o que vai amenizar consideravelmente a temperatura. Essas árvores impediam a incidência direta do sol no asfalto e nas calçadas.

DW África: Durante semanas permaneceu calado, evintando polémicas na comunicação social, mas agora vem a público, através dos microfones da DW, contestar o que considera de crime ambiental...

CC: Digo sinceramente que tenho um direito à indignação que não vendo a qualquer preço. Não estando de acordo, manifesto o meu desacordo e tento fundamentar esse desacordo tecnicamente, como engenheiro que felizmente sou. 

DW África: O ministro do Ambiente, Biodiversidade e Ação Climática, Viriato Cassamá, justificou esta semana o abate das mangueiras centenárias dizendo que estas alegadamente já "atingiram o seu climax". Como engenheiro florestal, como reage a estas declarações?

CC: Tenho dúvidas em compreender, porque as árvores em questão eram fruteiras, mas não tinham sido postas lá para produção de frutos. Foram lá postas para prestar serviços ambientais que uma árvore normalmente presta e fazem simultâneamente a função de uma árvore fruteira que também têm. Portanto essas árvores podem ter até mais de 300 anos.

DW África: Quando o ministro diz que essas árvores "deixaram de ter capacidade de sequestrar carbono", faz sentido no seu entender? 

CC: Eu tenho muitas dificuldades em enquadrar isso, porque as árvores, quanto mais maduras, maior capacidade de sequestração de carbono têm. Nós temos um exemplo muito concreto que é a floresta de Cantanhez. Será que aquelas árvores centenárias - em alguns casos eu não hesitaria em dizer milenares - deixaram de sequestrar os gases?

DW África: Quer dizer com isso que o ministro Viriato Cassamá não tem noção do dossiê que tutela, pondo em causa a proteção da saúde do meio ambiente e dos cidadãos?

CC: Eu não quero que este meu direito à indignação se transforme numa polémica entre o Constantino Correia e o ministro Viriato Cassamá. Não, não quero. Eu estou a usar o meu direito à indignação e tenho que exigir dos governantes o respeito pelos meus direitos.

DW África: Tem informações sobre o que aconteceu com as madeiras das árvores abatidas?

CC: Algumas ainda continuam no local, outras foram retiradas, mas não sei, não tenho a mínima ideia sobre o que se fez e o que se fará aos troncos abatidos, infelizmente.

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