FONTE 👉 RFI
O Presidente Umaro Sissoco Embaló disse que a Guiné-Bissau não vai extraditar o antigo chefe de Estado da RCA, François Bozizé, exilado em Bissau e alvo de um mandado de captura internacional, justificando que a lei guineense não o permite. Luís Vaz Martins, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, explica que lei guineense prevê, em determinadas situações, a extradição de cidadãos estrangeiros, sublinhado que a decisão compete à justiça e não ao Presidente guineense.
RFI: O Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló, disse esta semana que não vai extraditar o antigo chefe de Estado da RCA, François Bozize. O que prevê a lei guineense nessa matéria?
Luís Vaz Martins, presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados da Guiné-Bissau: Há aqui dois equívocos para sublinhar. Em primeiro lugar, não é da competência do Presidente da República dar pareceres sobre a constitucionalidade da extradição de qualquer cidadão estrangeiro que se encontre no território da Guiné-Bissau. Em segundo lugar, há aqui dois níveis de protecção. O primeiro nível diz respeito aos cidadãos nacionais que em circunstância alguma podem ser extraditados. Relativamente aos cidadãos estrangeiros, existe a possibilidade de extradição, todavia o órgão competente para decidir sobre a extradição é o poder judiciário. No entanto, existem limites relativamente à questão da possibilidade de extradição de cidadãos estrangeiros. A extradição não pode ser feita por motivos políticos e também não pode haver extradição, mesmo não sendo por motivos políticos, para países onde se aplica a pena de morte. Na República Centro-Africana a pena de morte não se aplica, o que nos leva a crer que há indícios muito fortes para que se possa admitir a extradição. No comunicado são invocados crimes contra a humanidade, que dizem respeito ao desaparecimento forçado e outras formas de privação de liberdade e prática de tortura. Assim sendo, o cidadão centro-africano, François Bozizé, pode ser extraditado, desde que admitido por uma autoridade judicial.
Ou seja, será sempre a justiça a tomar essa decisão?
Dizer que a lei guineense, mais concretamente a Constituição, não admite a extradição é uma interpretação errónea do senhor Umaro Sissoco Embaló. Há uma proibição absoluta quando se trata de cidadão nacional. Todavia, há uma proibição relativa quando se trata de um cidadão estrangeiro, como é o caso de François Bozizé. Nesta situação, desde que seja admitido por uma autoridade judicial, [o antigo Presidente da RCA] pode ser extraditado para que o seu país o possa julgar pelos crimes cometidos naquele naquele espaço geográfico.
Umaro Sissoco Embaló disse que foi solicitada para dar asilo político a François Bozizé, no âmbito da União Africana. Isso desresponsabiliza, de alguma forma, a Guiné-Bissau, de estar a proteger um homem que é acusado de crimes cometidos pela guarda presidencial?
A presença do senhor François Bozizé foi um assunto tratado com total sigilo. Mesmo no plano nacional, a esmagadora maioria dos cidadãos guineenses e dos órgãos,que devem ter conhecimento da presença de um cidadão estrangeiro nestas condições, não deram aval para a presença deste Senhor aqui no território nacional. A Assembleia Nacional Popular não foi tida nem achada, muito menos o Governo. Foi uma decisão do próprio Umaro Sissoco Embaló. Mesmo assim, isso não exime a Guiné-Bissau da sua responsabilidade internacional de proteção e promoção dos direitos humanos. A Guiné-Bissau não pode acolher, no seu território, um homem sobre o qual recaem fortes indícios de ter cometido crimes contra a humanidade. A Guiné-Bissau tem um compromisso, não só no plano interno - ao nível da Lei magna- mas também ao nível internacional da protecção dos direitos fundamentais. Não pode, de forma alguma, impedir a extradição do cidadão para que se possa fazer justiça, responsabilizando-o pelos crimes cometidos.
Para além do mandado de captura, que outro recurso tem este Tribunal Penal Especial da República Centro-Africana para julgar o antigo presidente? Isto no caso da Guiné-Bissau, se continuar a recusar extraditar este homem político?
A Guiné-Bissau está vinculado a outras organizações, como a CEDEAO e da União Africana. Nesse sentido, penso que, ao nível dessas estruturas e eventuais tribunais existentes, poderá ser feita alguma pressão para obrigar a Guiné-Bissau a extraditar François Bozizé. Mesmo sabendo que a nossa justiça não é independente e está, digamos assim, sequestrada pelo próprio Umaro Sissoco Embaló. Mesmo admitindo que ele venha a exercer pressão sobre o poder judicial -no sentido de acolher a interpretação que fez sobre aquilo que determina o artigo 43 da Constituição- a República Centro-Africana pode lançar mão a outros expedientes, no plano internacional e sub-regional, para fazer com que a Guiné-Bissau cumpra efectivamente com a sua obrigação, permitindo o julgamento de pessoas que tenham cometido crimes contra a humanidade.
Acredita que, neste momento, a pouca credibilidade que caracteriza as organizações regionais poderá fragilizar essa pressão?
Eu acredito que as mudanças que se verificaram nos últimos tempos no plano da CEDEAO, uma instituição totalmente desacreditada, ora por via de golpes de Estado, mas também por mudanças no plano democrática, como aconteceu recentemente no Senegal, poderão levar a uma postura de afastamento com os regimes ditatoriais, como aquele que foi o de François Bozizé. Penso que a Guiné-Bissau pode ser pressionada a adoptar uma postura consentânea com o direito internacional.
No caso da Guiné-Bissau se recusar a extraditar o antigo Presidente da República Centro-Africana, quais serão as repercussões para o país?
Isso seria o confirmar que o regime sustentado pelo pelo próprio Umaro Sissoco Embaló é cúmplice de situações de violações dos direitos humanos. Ou seja, está-se a tentar, a todo o custo, proteger François Bozizé, porquanto alguns crimes - de que o antigo Presidente da RCA é acusado - também têm sido praticados na Guiné-Bissau. Nomeadamente, a questão da privação de liberdade, sem qualquer sustentáculo legal. A questão de prática de tortura tem-se verificado na Guiné-Bissau. Eu penso que seria o confirmar de que (...) a Guiné-Bissau é um país violador dos direitos humanos. É o que têm afirmado todos os relatórios, inclusive o relatório da própria Liga Guineense dos Direitos Humanos sobre aquilo que têm sido os quatro anos de mandato de Umaro Sissoco Embaló. Relativamente à questão dos direitos humanos, penso que não fica bem nem ao país, nem ao próprio Sissoco Embaló adoptar uma postura de força, ou de recusa contra a extradição de um homem que comprovadamente terá cometido crimes hediondos no seu próprio país.