FONTE: ISI-AFRICA
Por Francisco LALOUPO
A nova crise desencadeada na semana passada na Guiné-Bissau reaviva a memória da questionável ascensão ao poder do Presidente Umaro Sissoco Embalo em 2020. A memória do seu golpe pós-eleitoral que conseguiu impor como facto consumado nos Guineenses-Bissau e nos comunidade internacional.
As consequências das eleições presidenciais de Dezembro de 2019 foram dramáticas em Bissau. O início da proclamação dos resultados, após várias semanas de procrastinação e tensão, deu origem imediatamente a uma disputa pós-eleitoral entre Umaro Sissoco Embalo, candidato do Movimento para a Alternância Democrática-G15, e o seu adversário Domingos Simões Pereira, candidato do o histórico Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC). Embora a vitória deste último parecesse certa no final das eleições, esta evidência foi frustrada pela Comissão Nacional de Eleições (CNE) que proclamou a vitória de Sissoco Embalo. Seguiu-se um impasse interminável entre a CNE e o Supremo Tribunal de Justiça que, tendo constatado irregularidades significativas, exigiu o “apuramento total” da acta. Sem esperar pela resolução do litígio por parte do Supremo Tribunal de Justiça, o candidato Umaru Sissoco Embalo, depois de mobilizar os seus apoiantes nas redes sociais, organizou uma assustadora cerimónia da sua “investidura” ao gabinete presidencial no dia 27 de Fevereiro de 2020, contando com numa fracção das Forças de Defesa e Segurança conquistadas para a sua causa. Na ocasião, o empresário que se tornou aspirante à presidência relembrou, fardado, seu passado como general do Exército...
Tomada de poder e “mau arranjo”
Em reacção a esta “auto-inauguração” que se assemelhava a um assalto à Presidência da República, o PAIGC, maioritário na Assembleia, decidiu por sua vez proceder à tomada de posse do Presidente da Assembleia Nacional, Cipriano Cassama, ao cargo de “Presidente da República Interino”. Perante este imbróglio, a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), num comunicado de imprensa datado de 1 de Março de 2020, manifestou a sua “grande preocupação com os últimos desenvolvimentos marcados pelas sucessivas investiduras de dois chefes de Estado, fora dos limites legais e constitucionais, no preciso momento em que o litígio relativo às eleições presidenciais está pendente no Supremo Tribunal. » Além disso, a organização regional deplorou “a interferência na esfera política das Forças de Defesa e Segurança” tendo supervisionado a brutal tomada do poder por Umaro Sissoco Embalo. Próximo episódio: a entrada em cena de mediadores de diversas origens – ONU e CEDEAO na liderança – movidos essencialmente pela urgência de um “retorno à paz”.
Poucas semanas depois da má farsa da sua “tomada de posse”, Sissoco Embalo conseguira impor-se na cúpula do Estado. A comunidade internacional, sem o afirmar claramente, decidiu ratificar o facto consumado, aplicando, ao fazê-lo, a fórmula desastrosa segundo a qual “é melhor um mau acordo do que um bom julgamento”. Para consolidar o seu poder, o autoproclamado presidente aumentou o número de viagens aos seus pares africanos, contando com o apoio muito notado do vizinho senegalês Macky Sall. Para satisfazer as tímidas exigências da CEDEAO, comprometeu-se a submeter a referendo uma reforma da Constituição, a fim, segundo ele, de clarificar os papéis das diferentes instituições num sistema da Guiné-Bissau com regras muitas vezes consideradas "atípicas", fonte de múltiplos conflitos políticos nas últimas três décadas. Em poucos meses, SissocoEmbalo obteve o resultado esperado: uma normalização sorrateira do seu estatuto presidencial, transformando o golpe inicial num mandato ordinário.
Umaro Sissoco Embalo trabalhou incansavelmente para fazer com que as pessoas esquecessem a mentira fundadora do seu poder. Ator de uma ofensiva total de comunicação, está no palco desde 2021, para condenar todas as formas de golpes de Estado, para castigar a inclinação de certos líderes africanos para privatizar instituições estatais, por vezes semeando um grande caos durante reuniões de chefes de Estado . Atual Presidente da CEDEAO de junho de 2022 a julho de 2023, tem aumentado as ações diplomáticas no cenário internacional para pregar a “paz”, mantendo ao mesmo tempo a sua imagem de “jovem líder comprometido com a democracia”…
Modus operandi dos golpistas
Mas, dentro do seu país, as coisas complicaram-se para Sissoco Embalo, quando decidiu, em Maio de 2022, dissolver a Assembleia Nacional, alegando “diferenças persistentes e irreconciliáveis entre a assembleia e o governo”. Uma iniciativa infeliz para o presidente: a votação, organizada em Junho de 2023, foi vencida por uma ampla maioria pelo PAIGC, a força motriz de uma vasta coligação de oposição. O presidente da nova Assembleia será Domingos Simões Pereira, líder do PAIGC, e “pior inimigo” de Sissoco Embalo. Forçado à coabitação, este último foi forçado durante vários meses a lidar com os seus mais temidos opositores, tanto no Parlamento como no seio de um governo de coabitação. É portanto neste contexto que uma nova crise ocorreu no país na semana passada.
Tudo começou com uma operação levada a cabo por elementos da Guarda Nacional para libertar dois ministros da oposição, detidos a pedido da presidência e do Ministério Público por “atos de corrupção”. Entre 30 de novembro e 1 de dezembro, a operação militar degenerou em confrontos entre a Guarda Nacional e o exército. Tendo este último conseguido dominar a situação, o Presidente Embalo descreveu então estes acontecimentos como uma “tentativa de golpe abortada”. Sem demora, procedeu por decreto à dissolução, de forma totalmente ilegal, da Assembleia Nacional que denunciou um “golpe de Estado constitucional”. Depois de dissolver também o governo, ele se entregou às pastas da Defesa e do Interior. Neste dia 5 de Dezembro nas redes sociais, Sissoco Embalo anunciou ter destacado o exército para a capital, especificando nomeadamente que “os guardas militares foram posicionados nas sedes da Televisão Nacional e da Rádio da Guiné-Bissau para assegurar a mudança de general”. direção em curso ". Tantas disposições que, aos olhos da opinião pública, reflectem geralmente um modus operandi de golpistas...
A naturalidade volta a galope
Agora, nos meios de comunicação internacionais, acusa incansavelmente a oposição de “conspiração”, acreditando que “o normal funcionamento das instituições da República tornou-se impossível”. Na sua mira está Domingos Simões Pereira, presidente da Assembleia Nacional, a quem nomeia nominalmente como instigador da “conspiração”. Embora nada prove até à data que a operação levada a cabo por elementos da Guarda Nacional visasse a derrubada do poder, tudo leva a crer que Embalo encontrou, graças a estes acontecimentos, a oportunidade de retomar o controlo de todas as alavancas do poder do Estado, menos de dois anos antes as próximas eleições presidenciais previstas para 2025. Como serão as próximas etapas desta deriva?
Desde as eleições legislativas de Junho passado, têm sido levantadas questões sobre a capacidade dos actores políticos da Guiné-Bissau observarem escrupulosamente as regras de coabitação entre um chefe de Estado resistente ao debate de ideias e uma oposição maioritária no Parlamento. Quase quatro anos após a incrível tomada do poder por Embalo, a natureza está voltando a galope. Depois de ter tentado redimir a sua conduta perante a opinião internacional, eis aqui Cissoco Embalo novamente nos seus autênticos trajes: os de um bucaneiro impenitente que, como tantos outros, confunde o Estado com uma empresa privada, um saque a ser preservado pela qualquer meio possível. No dia 5 de dezembro publicou estas palavras nas redes sociais: “Está tudo bem em Bissau. As conquistas democráticas são respeitadas e mantidas." Uma crônica do cinismo comum?