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Em entrevista ao Esquerda.net, Sumaila Jaló defendeu que países como Portugal ou França têm de parar de dar respaldo aos atos inconstitucionais e ditatoriais do presidente guineense. E alertou que o PAIGC, ao negociar com Umaro Sissoco Embaló, está a trair a expressão popular do povo nas últimas eleições legislativas. Por Mariana Carneiro.
A 4 de junho, o povo da Guiné-Bissau expressou nas urnas o seu desejo de derrotar a ditadura de Umaro Sissoco Embaló e caminhar no sentido da democratização do país, após três anos e meio de ataques ferozes à normalidade constitucional e às liberdades democráticas, de perseguições e de escândalos financeiros. A vitória da coligação PAI – Terra Ranka nas últimas eleições legislativas abriu expectativas quanto à retoma da legalidade constitucional e abalou as pretensões do Presidente da Guiné-Bissau no que concerne à sua reeleição já em 2024.
Nesta entrevista, o ativista e investigador guineense Sumaila Jaló descreve as inúmeras manobras a que Sissoco recorreu para contrariar o resultado eleitoral, e que culminaram na dissolução da Assembleia Nacional Popular e na formação de um Governo de “iniciativa presidencial”; a estratégia adotada pelo PAIGC e a coligação PAI – Terra Ranka, que este partido encabeça; os desafios da mobilização popular; e o papel da comunidade internacional, nomeadamente de Portugal.
Na entrevista de setembro abordámos, nomeadamente, o resultado das eleições de junho, em que uma esmagadora maioria escolheu o caminho para a democratização da Guiné-Bissau, o que se traduziu na vitória da coligação PAI-Terra Ranka. E, nessa altura, era mais do que explícito que o atual presidente Umaro Sissoco Embaló não estava disposto a aceitar uma mudança de regime. Desde então, quais foram as manobras de Sissoco para contrariar esse resultado eleitoral?
Na nossa última entrevista, falei do processo que nos levou até às últimas eleições legislativas e, entre muitas questões abordadas, referi a intromissão de Umaro Sissoco Embaló no processo eleitoral, e todas as manobras que vinha orquestrando contra a normal realização do ato eleitoral, porque não estava disposto, como continua a não estar, a conviver no poder com um governo que não tenha vindo do seu partido, o MADEM G-15.
Nas próprias eleições, Umaro Sissoco Embaló já dizia que, mesmo que o PAIGC, neste caso, a PAI-Terra Ranka, a coligação que venceu as eleições legislativas, tivesse ganho todos os 102 assentos parlamentares, ele nunca nomearia para o cargo de primeiro-ministro uma figura do PAIGC. Nem o seu líder, e muito menos outras figuras da liderança que estivessem indiciadas judicialmente, mesmo que essa questão de estarem indiciados judicialmente fosse uma invenção, porque não há nenhuma ação judicial pendente sobre qualquer líder do PAIGC, nem naquela altura, nem neste momento. Esta foi uma forma de intimidar o próprio povo e de começar a manifestar-se contra qualquer solução governativa que não fosse da sua conveniência partidária.
Já depois das eleições legislativas, esperámos dois meses para o que Governo tomasse posse. E um mês e meio para que os deputados eleitos para a 11ª Legislatura fossem investidos, apesar de a lei eleitoral prever um prazo máximo de 30 dias.
Todas estas manobras têm como objetivo adiar o máximo possível tanto a tomada de posse dos deputados no Parlamento como a tomada de posse do novo Governo, por forma a limpar as fichas muito perigosas do quadro governativo de que saíamos. Foram três anos e meio de ataques à normalidade constitucional e às liberdades democráticas, praticados por um regime encabeçado por Umaro Sissoco Embaló. Três anos e meio em que adversários políticos e outras vozes e figuras opositoras ao seu regime foram perseguidos, foram raptados, em muitos casos espancados até à beira da morte.
Popular e o Presidente da República inexistente, no sentido de permitir que o Presidente tivesse como dissolver a Assembleia e destituir o Governo para, num ato subsequente, instituir um quadro governativo que lhe fosse favorável para as próximas eleições presidenciais.
Uma Assembleia Nacional Popular que era funcional, e digo isto apesar de todas as diferenças que tenho com o PAIGC. Um Parlamento que assumia as suas atribuições de discutir o aparato legislativo do país, de fazer reformas das leis e criar leis para garantir uma melhor estruturação das instituições democráticas no país, não era favorável a Umaro Sissoco Embaló. Ele tinha que criar um quadro governativo diferente que lhe possibilitasse ter no Governo, particularmente nas instituições que organizam diretamente as eleições, pessoas da sua conveniência.
comando da Guarda Nacional para retirar dessas instalações os dois governantes, contando com o apoio das forças ligadas ao Estado-Maior-General das Forças Armadas. Desta forma, conseguiu-se desmantelar a resistência da Guarda Nacional e retirar da sua guarda os dois responsáveis políticos, que foram devolvidos às celas da Polícia Judiciária. E os atos acabaram ali.
O Presidente da República, que estava em viagem, chegou no dia seguinte, e declarou que aqueles acontecimentos constituíam uma tentativa de golpe de Estado.
Isto apesar de a Guarda Nacional, que estaria supostamente a desencadear essa tentativa, não ter invadido nem a Presidência da República, nem a residência pessoal do Presidente, muito menos tomado de assalto o aeroporto de Bissau ou atacado a base aérea, que é a corporação militar mais fortificada perto do próprio aeroporto. Ou seja, sem que tivesse existido qualquer ação subsequente para derrubar o Presidente da República.
Acresce que a Guarda Nacional é tutelada pelo Ministério do Interior, e não pela Assembleia Nacional Popular. Mas foi, de facto, o Parlamento que foi dissolvido. E falamos de uma dissolução manifestamente inconstitucional, na medida em que o artigo 94º da Constituição da República da Guiné-Bissau refere que “a Assembleia Nacional Popular não pode ser dissolvida nos 12 meses posteriores à eleição”.