quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Guiné-Bissau prepara "revolução" na Administração Pública

 FONTE: LUSA

O Governo da Guiné-Bissau, apoiado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e outros parceiros, está a preparar uma informatização da gestão dos funcionários públicos que inclui a contabilização, nível de absentismo e obrigatoriedade de uma conta bancária.

"O sistema vai gerir tudo aquilo que tem a ver com receitas e despesas, porque temos um grande problema neste país, que é a massa salarial da função pública representar quase 80% das receitas internas", disse o secretário de Estado das Telecomunicações e Economia Digital da Guiné-Bissau à Lusa. 

"A plataforma informática `blockchain` vai resolver a situação de ter de gerir receitas e despesas para cobrir a massa salarial da função pública, que causa grandes dificuldades, porque há um número muito elevado de funcionários públicos e cada vez que entram na Administração Pública é mais um problema", disse Gibril Mané em entrevista à Lusa no final de uma sessão dos Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, dedicada à implementação deste sistema de controlo na administração pública no país lusófono.

"A questão da massa salarial tem um impacto enorme para podermos atender à componente social, às despesas de Educação e Saúde, e para o país este processo é muito importante, é fundamental", vincou o secretário de Estado nas declarações à Lusa, no final da sessão. 

Questionado sobre se espera uma reação dos funcionários públicos que serão obrigados a ter conta bancária e verão os seus níveis de absentismo e os empregos analisados, Gibril Mané admitiu que sim, mas salientou a importância da sensibilização prévia.

"Pode haver contestação, mas com a sensibilização que vai ser feita, julgo que muito rapidamente vai haver maior compreensão e entendimento, as pessoas vão ter de aderir a esta facilidade", disse, reconhecendo que não há informação sobre o número certo de funcionários públicos no país. 

"O número avançado é de cerca de 30 mil, vamos ter de analisar, porque o problema é que temos de ter a certeza de quantos são exatamente os pensionistas, os antigos combatentes, e esse sistema vai permitir uma identificação precisa", concluiu o governante.

Na sessão de quase uma hora dedicada em exclusivo à implementação deste sistema informático que disponibiliza informações integradas sobre os funcionários públicos, a coordenadora do programa e economista no departamento africano do FMI, Concha Verdugo Yepes, disse que a Guiné-Bissau é o primeiro país considerado frágil a implementar este modelo.

"Um único registo vai permitir monitorizar como os funcionários públicos são contratados, como estão distribuídos e como são pagos", disse a economista, salientando que o novo sistema, que já está em fase de testes em cinco ministérios e no Tribunal de Contas, vai obrigar ao pagamento dos salários através de transferência bancária e vai analisar o grau de absentismo, além de detetar situações como as de um funcionário que está inscrito em dois empregos públicos.

"Os seis principais atributos são ligar os pontos com informação dos funcionários, proteger o sistema e a integridade dos dados, monitorizar a elegibilidade e o orçamento, identificar os sinais vermelhos, e reportar a posição fiscal, as perspetivas e a personalização, para além de ser uma solução sustentável de longo prazo", disse Concha Yepes.

Para a economista, o facto de o sistema estar pronto para arrancar "na próxima semana", depois de ter começado a ser preparado em 2019, mostra que "é possível que esta abordagem colaborativa seja uma referência, e replicável, noutros países na região".

Durante a sessão, que faz parte da agenda oficial dos Encontros Anuais do FMI e do Banco Mundial, que decorrem esta semana em Marraquexe, a economista explicou que o Estado ficará com um conjunto de dados que permite identificar situações de abuso e de fraude através do sistema informático em modelo `blockchain`, que dá uma visão integrada e imediata de uma determinada situação.

"Usamos a matrícula e os dados bancários, e quando as informações não são consistentes ou não estão disponíveis, o sistema emite uma `red flag` [sinal vermelho], por exemplo quando não há autorização de trabalho, ou falta o Número de Identificação Bancária (NIB), mostrando que há pagamento de salários em dinheiro, ou quando está empregado em mais de uma instituição, ou quando o número aumentou mais do que o previsto", exemplificou Concha Yepes na apresentação do modelo que está a ser implementado em conjunto com a Ernst & Young e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

Numa primeira fase, o sistema já analisou 1.200 funcionários no Ministério das Finanças e no da Administração Pública e os pensionistas, apontou ainda a economista, salientando que o objetivo é alargar aos quase 30 mil funcionários públicos e mais de 8 mil pensionistas guineenses, que representavam, em 2020, mais de 80% das receitas internas da Guiné-Bissau.