segunda-feira, 2 de outubro de 2023

AMÍLCAR CABRAL - A entrevista perdida do poeta que foi um grande líder africano

FONTE: EXPRESSO

Ouvir a entrevista completa AQUI

















Esta é a história da última entrevista a Amílcar Cabral, o fundador do PAIGC que foi assassinado antes de completar 50 anos. Figura ímpar da luta pela independência da Guiné-Bissau, Cabral era um pacifista que precisou de pegar em armas para lutar pela liberdade do seu povo 


No dia 1 de julho de 1970 o Papa Paulo VI concedeu uma audiência a três poetas africanos que falavam português. Esses poetas já não habitam o mundo dos vivos, mas a memória de Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Marcelino dos Santos continua presente e para sempre ligada à luta pela independência da Guiné-Bissau e Cabo Verde, Angola e Moçambique e ao fim do regime colonial português. 


Paulo VI criou um facto político internacional ao receber os três líderes dos movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas. A ditadura do Estado Novo foi apanhada de surpresa por esta audiência do Sumo Pontífice e as notícias só surgiriam na imprensa portuguesa no domingo 5 de julho. 


O Governo presidido por Marcello Caetano ficou em choque, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, chamou o embaixador de Portugal na Santa Sé a Lisboa “para consultas” (o que significa pedir explicações por ele não ter percebido e avisado o Governo de Lisboa que Paulo VI iria receber Cabral, Neto e Santos). 


No primeiro domingo após a audiência de Paulo VI – que tinha estado em Portugal em 1967 para participar nas celebrações do cinquentenário das aparições de Fátima – o vespertino A Capital publicou a primeira Nota Oficiosa do Governo, mencionando: “Teve o Governo português conhecimento através das agências informativas internacionais de notícias contraditórias relativas às circunstâncias em que chefes de movimentos terroristas que atacam as fronteiras portuguesas haviam sido recebidos por Sua Santidade o Papa Paulo VI”. 


Nessa mesma edição, o diário A Capital, que custava 1$50, publicou uma detalhada resenha da imprensa internacional – com destaque para a imprensa italiana – sobre a “primeira audiência concedida por um Papa a dirigentes revolucionários”. O vespertino então dirigido por Maurício de Oliveira também publicou o “comentário” da agência France-Press na íntegra, referindo que “pela primeira vez, a mais alta força moral do Ocidente e o chefe espiritual de 600 milhões de católicos recenseados no mundo ousou fazer aquilo a que se recusaram os mais importantes dirigentes políticos que se afirmam católicos. O Papa Paulo VI recebeu – e abençoou – três chefes revolucionários de cor, proscritos e perseguidos como comunistas e criminosos por uma nação europeia pilar secular da Igreja”. Essa nação era Portugal, o país cuja ditadura se recusava a acabar com a Guerra Colonial. 


No 50º aniversário da autoproclamação da independência da Guiné-Bissau o Expresso recupera a voz do poeta Amílcar Cabral, fundador do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde – PAIGC, numa entrevista pouco conhecida e quase esquecida. Feita em Londres, a 27 de outubro de 1971, um ano depois do Papa Paulo VI receber Amílcar Cabral no Vaticano, foi publicada na capital britânica (no início de 1972) no boletim “Anticolonialismo” e, em Genebra, na revista “Polémica”. Ambas as publicações eram feitas por oposicionistas portugueses que tinham deixado o país e tinham pequena circulação, entrando em Portugal de forma disfarçada e quase clandestina. 


Excerto da entrevista a Amílcar Cabral, em Londres, a 27 de outubro de 1971 


A entrevista foi conduzida pelo arquitecto Pedro George, que estava ligado à “Anticolonialismo”, e pelo já falecido historiador e ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, José Medeiros Ferreira, ligado à “Polémica”. Para contextualizar as circunstâncias em que ocorreu esta gravação, que é um documento para memória histórica, o Expresso entrevistou o arquiteto George sobre este encontro. 


O nascimento de um novo país 


À semelhança do que acontecera com a audiência de Paulo VI três anos antes, a notícia do anúncio do nascimento da Guiné-Bissau como nação independente só seria publicada nos jornais portugueses quatro dias depois de a Assembleia Nacio­nal Popular da Guiné-Bissau proclamar unilateralmente a independência do país, em Madina do Boé, a 24 de setembro de 1973. O tempo da informação ainda não tinha a rapidez de um tuíte e, o próprio PAIGC — Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde esperaria dois dias até divulgar o nascimento do novo país, num comunicado emitido em Dacar. 


A missão de Portugal nas Nações Unidas reagiu de imediato, catalogando a proclamação como um “ato de propaganda” do PAIGC, mas a posição defendida pelo regime colonial português tinha cada vez menos apoios da comunidade internacional, como prova a informação veiculada pelo vespertino “A Capital” dando conta de que a maio­ria dos delegados da Comissão dos Territórios sem Autonomia das Nações Unidas se regozijara com a proclamação da independência da Guiné-Bissau, gizada e idealizada pelo fundador do PAIGC, Amílcar Cabral, assassinado nove meses antes, a 20 de janeiro de 1973. 


Em Londres, pouco depois da proclamação ser anunciada, o então estudante de Urbanismo Pedro George rememorava as palavras que ouvira a Cabral, naquela que (por agora) é considerada a sua última entrevista, e que permanece quase desconhecida: “Guardei uma cassete com a voz forte do Amílcar Cabral, e considero que essa peça é um verdadeiro testamento político”, tendo em conta que o fundador do PAIGC foi assassinado nove meses antes da proclamação da independência, a 20 de janeiro de 1973. “Há cerca de dois anos passei a gravação para DVD, para ficar num registo mais seguro e evitar que se perdesse ou fosse votada ao esquecimento. Mais recentemente, entendi que deveria partilhar este documento esquecido e, por sugestão e iniciativa da Maria Emília Brederode dos Santos — viúva do José Medeiros Ferreira, com quem tive o imenso prazer de fazer esta entrevista —, entreguei uma cópia da gravação à Comissão Comemorativa 50 Anos 25 de Abril”, disse ao Expresso o arquiteto George. 


Que diria Cabral da guerra na Ucrânia? 


No mundo bipolar da Guerra Fria, a ditadura portuguesa remava contra a maré, tentando manter o domínio colonial apesar da guerra infligir grandes danos à população do país. O número de mortos em combate crescia, as famílias recebiam os corpos dentro de caixões, não havia como esconder que o cenário militar na Guiné era de grande dificuldade para o exército português.


A perda definitiva da soberania das Forças Armadas portuguesas surgiu após o assassínio de Cabral, com a entrada em ação de armamento soviético de alta precisão, os mísseis terra-ar Strella, que mudaram definitivamente o curso da Guerra Colonial na Guiné. O site da Associação 25 de Abril explica que foram utilizados pela primeira vez a 25 de fevereiro de 1973, e abateram um avião Fiat G91. 


A União Soviética forneceu este armamento ao PAIGC e assegurou o treino militar dos futuros operadores destes “mísseis terra-ar, que tinham grande precisão por estarem dotados com infravermelhos que os tornavam muito eficazes para abater aviões, já que eram atraídos pelo calor do motor”, explica ao Expresso o capitão de Abril Carlos Matos Gomes, à data mobilizado na Guiné: “Foram treinadas na Crimeia as equipas que iriam operar estes mísseis de lançamento ao ombro. A partir daí, as Forças Armadas portuguesas perderam a supremacia militar porque passaram a combater sem apoio aéreo. Este ficou reduzido ao transporte e evacuação de feridos”, criando uma sensação de insegurança nos militares, diz Matos Gomes. 


Cabral nunca mencionou a União Soviética nem o (seu) fornecimento de equipamento militar ao PAIGC na entrevista que deu a Medeiros Ferreira e Pedro George. Mas afirmou: “No plano político, a nossa situação pode ser comparada à de um Estado que tem partes do seu território nacional — particularmente os centros urbanos — ocupados por tropas colonialistas estrangeiras.” 


Nunca saberemos o que pensaria Cabral sobre a invasão russa da Ucrânia. Mas sabemos que o argumento da ocupação por tropas estrangeiras é o que mobiliza os ucranianos depois da invasão do país. 


“No plano político, a nossa situação pode ser comparada à de um Estado que tem partes do seu território nacional — particularmente os centros urbanos — ocupados por tropas colonialistas estrangeiras.”Amílcar Cabral, na entrevista em Londres a 27 de outubro de 1971 


Sobre uma solução de futuro, George destaca esta afirmação do líder africano: “Como sempre, estamos dispostos e abertos ao diálogo necessário para a solução política do problema.” O arquiteto refere ainda que Cabral “não fechou a porta a negociações de paz, admitindo estar disposto a negociar com outros dirigentes portugueses que não Marcello Caetano. Talvez Adriano Moreira, talvez Spínola”, embora o nome de Adriano Moreira não seja mencionado nos 34 minutos de gravação da entrevista, feita numa sala do Trade Union Congress. 


Os entrevistadores portugueses tiveram outros contactos com Cabral durante a sua ação de diplomacia paralela no Reino Unido em outubro de 1971, o que permite suportar a interpretação posterior do entrevistador. 


Sobre esta abertura de Cabral, recuperamos as palavras de Medeiros Ferreira numa entrevista ao Expresso, conduzida por José Pedro Castanheira em 2012: “Nessa entrevista [em Londres, em 1971] disse uma coisa muito interessante: que estaria disposto a aceitar um período de transição para organizar a independência da Guiné-Bissau, durante o qual aceitaria ser secretário-geral da província da Guiné. Achei essa proposta cheia de bom-senso, uma real proposta política. No comboio, a caminho de Manchester, disse-me: "Uma das coisas que me custa é que estamos a educar uma geração só para a luta armada. E temo o que esta geração venha a fazer desta aprendizagem tão fácil, que é manusear armas." Lembro-me sempre desta frase quando há um golpe de Estado na Guiné. Amílcar Cabral teria dado um grande estadista, mesmo um secretário-geral das Nações Unidas. Se o Kofi Annan foi um grande secretário-geral da ONU, o que faria o Amílcar Cabral! 


Colonialistas não são iguais ao povo português 


Ao longo da entrevista, Cabral procurou marcar a diferença entre “os colonialistas”, contra quem luta, e o povo português. Engenheiro agrónomo de formação, licenciou-se em Lisboa no Instituto Superior de Agronomia, tendo estabelecido vários contactos com vários cidadãos portugueses. George contou ao Expresso que ficou a saber que Cabral se tinha cruzado com o seu pai (arquiteto Frederico George) aquando das obras no Laboratório de Sementes do Instituto Superior de Agronomia, onde Cabral trabalhava na altura. 


Ciente do descontentamento de muitos jovens em relação à guerra, Cabral aproveitou a entrevista (dada a Medeiros Ferreira e Pedro George) para enviar uma mensagem ao povo português: “Temos uma longa caminhada, juntamente com o povo de Portugal. A nossa cultura também está influenciada pela cultura portuguesa, e nós estamos prontos para aceitar os aspetos positivos da cultura dos outros. O nosso problema não é desligarmo-nos do povo português. Se porventura existisse em Portugal um regime que estivesse disposto a construir não só o futuro e o bem-estar do povo de Portugal, mas também o nosso, mas em pé da absoluta igualdade, se o Presidente da República pudesse ser de Cabo Verde, da Guiné, ou de Portugal, nós não veríamos nenhuma necessidade de fazer a luta pela independência, porque seríamos independentes num quadro humano muito mais largo e, talvez, mais eficaz do ponto de vista da história. Infelizmente não é assim, o colonialismo português explorou o nosso povo de maneira bárbara e criminosa, e quando reclamamos o nosso direito de ser gente, de sermos nós mesmos, sermos parte da Humanidade e termos a nossa própria personalidade, [surge] a repressão e a guerra colonial. Mas nós não confundimos o colonialismo com o povo de Portugal. E temos feito tudo, na medida das nossas possibilidades, para preservar as possibilidades de cooperação, amizade, socialidade e colaboração com o povo de Portugal, na independência e na igualdade de direitos.” 


Denúncia de bombas de napalm 


No início da década de 70 do século passado, a utilização de bombas de napalm na guerra do Vietname gerou uma onda de indignação na opinião pública mundial, depois de se saber que tinham sido usadas no longo conflito no Sudeste Asiático que vitimou mais de 3,3 milhões de pessoas e cujo termo começou com a assinatura do acordo de paz assinado em Paris, uma semana depois de Cabral ser assassinado. 


Na entrevista, Cabral acusou o exército português de utilizar este armamento: “A ação dos colonialistas portugueses que nós consideramos criminosa é fundamentalmente caracterizada por bombardeamentos aéreos, em que utilizam bombas de napalm.” 


Quando Cabral mencionou os colonialistas portugueses, estava a acusar a ditadura de ordenar “assaltos terroristas contra as populações da região libertada [no leste do território da Guiné], durante os quais tentaram matar o máximo de gente que podiam, matar o gado, queimar as tabancas ou as aldeias, e queimar as nossas produções agrícolas e colheitas. (...) Depois do ataque a Bissau e Bafatá, os colonialistas portugueses prenderam várias pessoas, desconfiam de tudo e de todos, e o próprio governador militar de Bissau, general Spínola, fez uma declaração a 26 de julho — se não me engano — em que ameaçou os habitantes de Bissau de uma repressão inexorável no caso de acontecer alguma coisa que perturbasse o que [ele] chama de ordem na capital e nos outros centros urbanos”.


Cabral relata ainda que tinha notícia de uma jornalista estrangeira ter perguntado ao ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, o que queria dizer “repressão inexorável”. “Ele respondeu que queria dizer repressão de acordo com as leis” que o líder do PAIGC classifica de fascistas. 


Numa leitura atualizada das afirmações do líder africano, Pedro George diz que muitas das declarações eram “circunstanciais”, balizadas pelo momento: “Bafatá tinha acabado de ser bombardeada pelo movimento de libertação, o que indiciava que eles tinham armamento hipersofisticado, capaz de atingir a 100 ou 150 quilómetros de distância, e que controlavam as zonas rurais todas.” 


Como acontece em muitos conflitos, a guerra obrigaria a uma fuga do campo para a cidade e à deslocação de populações dos dois lados do conflito. Oito anos depois do PAIGC ter iniciado a luta armada, a 23 de janeiro de 1963, Cabral constatava que “a população em Bissau praticamente triplicou ou quadruplicou, e isto mostra às populações africanas desses centros urbanos e aos próprios colonos que a sua tranquilidade já não pode ser assegurada [apesar de] no plano militar, a situação ser caracterizada por um recuo crescente das forças colonialistas para os principais centros urbanos, e um avanço progressivo das nossas forças no sentido desses centros urbanos”. 


Rainha Juliana ao lado do PAIGC 


Tal como acontece atualmente com a guerra da Ucrânia, muitos países europeus estavam atentos às reivindicações e à luta dos movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas. No dia em que os jornais portugueses noticiaram — em pleno regime marcelista — a autoproclamação da independência da Guiné-Bissau, o vespertino “Diário de Lisboa” escrevia que o anúncio feito “pelo PAIGC será, provavelmente, objeto de consultas entre os nove países membros da Comunidade Económica Europeia e os 15 membros da Aliança Atlântica — julga saber-se de fonte holandesa geralmente bem informada. O Governo de Haia, nos últimos 15 dias, tomou várias vezes posição urbi et orbi contra a política colonial portuguesa em África. A rainha Juliana, no discurso do trono pronunciado a 18 do corrente, aludindo aos movimentos de libertação em África, declarou que a Holanda começaria a auxiliar esses movimentos em 1974, de preferência através de organizações internacionais. No mesmo dia, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Max Van Der Stoel, num memorando submetido aos Estados Gerais, quando da apresentação do orçamento, afirmou que Haia cumpriria as instruções das Nações Unidas, visando auxiliar os territórios africanos a verem realizados o seu direito a autodeterminação, tanto quanto possível por meios pacíficos”, escreve o “DL” na página 2 de 28 de setembro. 


Na interpretação do coronel Matos Gomes, o paradoxo de surgirem notícias que mostravam o crescimento do isolamento português face à comunidade internacional deve-se, em parte, ao facto de “a censura ser feita por militares, e de estes saberem que era necessário manter viva a ideia do inimigo” na opinião pública, ou seja, alimentar a imagem de um regime orgulhosamente só que ia resistindo ao isolamento internacional. 


Valorizar o PAIGC de Cabral era “importante, quando se fala de Spínola tinha de se falar de Amílcar Cabral” para justificar a estratégia do general português que foi governador da Guiné entre maio de 1968 e agosto de 1973: “A autoproclamação de independência foi feita num vazio de poder [no terreno]. Spínola já tinha deixado a Guiné, e [o seu sucessor] ainda não tinha entrado em funções.” A assinalar que a edição de “A Capital” [sexta-feira, 28 de setembro] que dá notícia da autoproclamação da independência, publica uma breve de três linhas informando que “o novo governador da Guiné, José Manuel Bettencourt Rodrigues, parte este fim de semana para Bissau, a fim de assumir as altas funções de que já foi empossado”.


A chegada do novo governador não travaria o curso dos acontecimentos no terreno nem a repercussão internacional do anúncio feito pelo PAIGC. Na edição de 6 de outubro, o Expresso noticiava que o então secretário-geral das Nações Unidas já tinha tomado “conhecimento” do facto através de um telegrama assinado pelo secretário-geral do PAIGC, Aristides Pereira. Três semanas depois, o Expresso titula na primeira página “Guiné-Bissau discutida nas Nações Unidas”. O texto informa que “por 88 votos a favor, sete contra e 20 abstenções foi decidido inscrever esta semana na ordem de trabalhos da Assembleia-Geral das Nações Unidas a questão da nova República da Guiné-Bissau, recentemente proclamada. Votaram contra tal inscrição e consequente debate os seguintes países: Portugal, Brasil, Grécia, África do Sul, Estados Unidos, Espanha e Bolívia”. Ou seja, quatro países com regimes ditatoriais, um país onde vigorava o apartheid (África do Sul) e os Estados Unidos, que — em plena guerra do Yom Kippur — utilizavam a Base das Lajes nos Açores como plataforma de trânsito no apoio a Israel. 


A relação que o então secretário de Estado norte-americano, Henry Kissinger, estabeleceu com o Governo de Marcello Caetano testemunha a sua opção pela diplomacia realista e pragmática, que gera consensos negociais que servem as duas partes. Portugal, país internacionalmente isolado por causa da Guerra Colonial, foi, a par dos Países Baixos — que já prometera apoio aos Movimentos de Libertação africanos para 1974 — um dos dois únicos países europeus a autorizarem o trânsito de aviões com armamento americano para Israel durante a guerra do Yom Kippur, em outubro de 1973. Dois meses depois, Kissinger veio a Lisboa reunir-se com Caetano e com o ministro dos Negócios Estrangeiros, Rui Patrício, para discutir a crise energética resultante do embargo petrolífero, política europeia, mediterrânica e africana, e renegociar o acordo da Base das Lajes. 


Cabral nos sindicatos britânicos 


A chave desta entrevista quase perdida de Amílcar Cabral chama-se Polly Gaster, uma ativista britânica ligada ao Comité para a Libertação de Moçambique, Angola e Guiné, “a principal organização em Londres que angariava apoios para os movimentos de libertação das colónias portuguesas”, escreve Álvaro de Miranda — irmão da historiadora e antifascista de origem goesa, Sacuntala de Miranda — num texto de memórias sobre os oposicionistas portugueses que viviam em Londres. 


“Tínhamos contactos com a Polly Gaster e, no verão de 1971, ela comunicou-nos que estavam a organizar uma vinda do Amílcar Cabral a Londres. Dissemos que queríamos fazer-lhe uma entrevista para o segundo [e último] número da ‘Anticolonia­lismo’ e disponibilizámo-nos para acompanhar Amílcar Cabral nas suas deslocações e garantir a sua segurança. Optámos por fazer a entrevista com a ‘Polémica’, publicação que tinha mais projeção do que a ‘Anticolonialismo’”, conta Pedro George: “Não conhecia o José Medeiros Ferreira, mas a nossa empatia foi enorme. Ele era mais velho do que eu mas ficámos amigos para o resto da vida. Preparámos a entrevista numa sala que a Polly Gaster nos arranjou nas instalações do Trade Union Congress [federação de sindicatos] e, mais tarde, soube que o adido militar da embaixada de Portugal em Londres enviava relatórios para a PIDE — dos quais tenho cópia — com referência a toda a nossa atividade”, recorda o arquiteto: “Até enviou o esboço de uma planta do edifício onde reuníamos, com uma nota que indicava que não era feita à escala”, acrescenta. 


Nesta visita ao Reino Unido em outubro de 1971, o fundador do PAIGC fez uma grande ação de diplomacia paralela, e participou “num grande comício em Westminster onde estiveram presentes cerca de 1500 pessoas” — de acordo com as memórias de Álvaro de Miranda. George lembra que também houve emigrantes portugueses na assistência em Londres, e que ele, Medeiros Ferreira e outros elementos do grupo ligado à “Anticolonia­lismo” o acompanharam a Birmingham e Manchester — onde participou em ações públicas. Esta é a história daquela que por agora é considerada a última entrevista de Amílcar Cabral, e de duas publicações quase esquecidas: o boletim “Anticolonialismo”, cujo primeiro número saiu em janeiro de 1971 e o segundo e último número em fevereiro de 1972, e a que estavam ligados “Bartolomeu Cid dos Santos, José Laranjo, Cristina Reis, José Brandão, João Monjardino”, recorda Pedro George. A “Polémica” era editada pelo grupo de oposicionistas portugueses que viviam em Genebra e de que faziam parte José Medeiros Ferreira, Maria Emília Brederode dos Santos, António Barreto, Ana Benavente e Carlos Almeida, entre outros. 


Se a voz e as palavras de Amílcar Cabral nesta entrevista são importantes para conhecermos melhor o pensamento do homem de cultura que fundou o PAIGC, as imagens (também) narram a história. A fotógrafa italiana Bruna Polimeni conheceu Amílcar Cabral – e outros líderes independentistas africanos – em 1969, na conferência internacional de Cartum, onde esteve como repórter fotográfica do jornal Mondo Operaio. 


Bruna voltaria a encontrar Cabral em 1970, aquando da audiência de Paulo VI aos três poetas líderes do PAIGC, MPLA e Frelimo. No ano seguinte (1971) – quando ainda se chamava Bruna Amico – fez a primeira de várias viagens às zonas da Guiné-Bissau controladas pelo PAIGC. O espólio fotográfico desta repórter que nasceu em 1934 foi preservado e, posteriormente, tratado pela Fundação Lello e Lisli Basso, contando-nos a história em imagens da luta pela independência da Guiné-Bissau. 

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