FONTE: DEUTSCHE WELLE
A Liga Guineense dos Direitos Humanos diz que é preciso dizer "basta" e "parar as instituições no país", porque a situação política, como está, não pode continuar.
A Liga Guineense dos Direitos Humanos (LGDH) apela a protestos na Guiné-Bissau. Ontem, a organização realizou uma vigília em frente à sua sede, em Bissau. Mas em entrevista à DW, Gueri Gomes Lopes, o secretário nacional para comunicação da Liga, diz que o povo tem de ir em peso para as ruas para dizer "basta" ao regime do Presidente Umaro Sissoco Embaló.
Gueri Gomes Lopes critica o "sequestro" do poder judicial na Guiné-Bissau e as violações constantes dos direitos humanos. Chama em particular a atenção para as "condições deploráveis" em que estão muitos dos detidos em conexão com a alegada tentativa de golpe de Estado de 01 de fevereiro de 2022.
Há quase dois meses, o Tribunal Militar Superior ordenou a libertação dessas pessoas, civis e militares, mas até agora a ordem de soltura não foi cumprida.
DW África: O ex-primeiro-ministro guineense Nuno Nabiam denunciou na quinta-feira a deterioração do estado de saúde dos detidos do caso 01 de fevereiro de 2022. A Liga Guineense dos Direitos Humanos sabe alguma coisa sobre este assunto?
Gueri Gomes Lopes (GGL): As condições em que se encontram nas celas são deploráveis e desumanas. Nós acreditamos que a afirmação do líder do APU-PDGB [Nuno Nabiam] corresponde à verdade. As informações que temos é que esses detidos estão em condições que não se justifica neste século. Para nós, isso é uma violação flagrante e grave dos direitos humanos. Há uma decisão do Tribunal Militar Superior que ordenou a libertação dessas pessoas, mas infelizmente, devido ao regime que temos no país e que ignora por completo o Estado de Direito, decidiu-se unilateralmente violar e recusar acatar as ordens do tribunal.
DW África: Há cerca de dois meses que o Tribunal Militar Superior decidiu que os detidos tinham de ser libertados, mas até agora continuam nas celas. Para a Liga Guineense dos Direitos Humanos, o que mais é preciso fazer para que o acórdão seja cumprido?
GGL: Do nosso ponto de vista, já foi feito. No nosso ordenamento jurídico, a decisão judicial tem o caráter de cumprimento obrigatório, mas é lamentável ter o próprio Estado da Guiné-Bissau, que tem por dever cumprir e fazer cumprir a lei, ser ele mesmo a violar e a desrespeitar a decisão de uma autoridade competente. Estamos perante uma situação em que a "ordem superior" acaba por ser o ordenamento jurídico da Guiné-Bissau. Neste momento, no país, só funciona o Presidente da República. Não podemos falar de poder judicial, poder legislativo ou executivo. Só funciona o Presidente da República e, qualquer que seja a decisão, quando não vai ao encontro do interesse pessoal do Presidente da República, acaba simplesmente ignorada.
DW África: Como analisa a atuação da Justiça guineense? O que está mal que deve ser corrigido?
GGL: Se há um anos falávamos de um sistema judicial frágil ou débil, neste momento não podemos falar da Justiça. Se antes falávamos da falta de seriedade dos operadores da justiça, agora não podemos falar disto. Temos de falar, sim, que não temos um poder judicial que funcione; temos um Ministério Público (MP) que praticamente não funciona, porque está a mando do Presidente da República da República. Temos ainda o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), que se encontra sequestrado.
DW África: Que sinais evidenciam esse sequestro?
GGL: A casa do próprio presidente eleito do Supremo Tribunal [José Pedro Sambú] foi invadida por milícias, o que provocou a sua renúncia ao cargo. Temos ainda um vice-presidente do Supremo Tribunal de Justiça [Lima André] que agora se autoproclamou presidente do órgão e está a tomar decisões que não são da sua competência. Além disso, nós sabemos que esse presidente do Supremo Tribunal está ao serviço de um determinado órgão de soberania, de um poder político.
DW África: Perante toda esta situação, como se deve mudar o cenário?
GGL: O cenário tem de ser mudado com o envolvimento de todos. Os cidadãos devem assumir as suas responsabilidades. Nós temos de dizer basta. Isso significa sair às ruas, parar as instituições e chamar a quem de direito à responsabilidade. Neste momento, não temos nenhuma instituição do Estado com essa capacidade, porque a Assembleia Nacional Popular (ANP) não funciona e o poder judicial está sequestrado.