No âmbito da sua missão de promoção e proteção dos direitos humanos na Guiné-Bissau, a LGDH tem acompanhado com crescente preocupação a alarmante degradação do funcionamento do sistema nacional de saúde do país, especialmente do Hospital Nacional Simão Mendes, agravada nos últimos tempos pelo incumprimento das obrigações do Estado.
A nossa Constituição da República, consagra o direito à saúde como direito fundamental, cuja efetivação se traduz num elemento essencial para a concretização dos demais direitos e liberdades fundamentais. Não obstante esta consagração constitucional, os sucessivos governos não têm sido capazes de criar condições para o funcionamento eficaz do sistema de saúde, pondo em risco a vida e a dignidade dos cidadãos, sobretudo dos mais carenciados.
Entretanto, cumpre assinalar que em 2020 e 2022, o governo da Guiné-Bissau produziu dois Despachos conjuntos assinados pelos Ministros da Saúde Pública e da Economia e Finanças, os quais visavam melhorar a assistência aos utentes do maior estabelecimento hospitalar do país– Hospital de Simão Mendes.
Em consequência dos referidos despachos, o governo através do Ministério das Finanças comprometeu-se a desbloquear mensalmente, 88.263.075 (Oitenta e Oito Milhões, Duzentos e Sessenta e Três mil e Setenta e Cinco Francos CFA), valor este destinado para os seguintes fins: 1. Aquisição de medicamentos; 2. Aquisição de consumíveis e reagentes; 3. Aquisição de Consumíveis e materiais do bloco operatório; 4. Aquisição de Consumíveis de imagiologia; 5. Aquisição de outros consumíveis hospitalares; 6. Pagamento de horas extraordinárias dos técnicos.
O desbloqueamento mensal e regular do valor total acima mencionado, introduziu melhorias significativas no que concerne à prestação gratuita de cuidados de saúde aos cidadãos, sobretudo aos mais necessitados. Aliás, graças a este repasse, de julho de 2020 até ao final do ano passado, milhares de cidadãos beneficiaram de assistência médica gratuita nomeadamente: a. Quase 200.000 assistências medicamentosas gratuitas no Banco de Socorro; b. Mais de 130.000 assistências medicamentosas gratuitas a pacientes carenciados internados no Hospital; c. Mais de 10.000 cirurgias gratuitas nestes três anos e meio, das quais mais da metade eram cesarianas.
Infelizmente, nos últimos tempos, e por motivos desconhecidos, o Ministério das Finanças não tem desbloqueado o montante mensal constante nos despachos conjuntos assinados em 2020 e 2022.
Em consequência deste incumprimento do Ministério das Finanças, a situação do Hospital Nacional Simão Mendes e do sistema nacional de saúde em geral, tem-se degradado sobremaneira. Aliás, sem qualquer exagero, o sistema nacional de saúde está mergulhado numa grave crise, senão vejamos: 1. No dia 15 de março de 2024, três pessoas morreram no Hospital Nacional Simão Mendes, supostamente devido à falta de oxigénio: 2.
Das três fábricas de oxigénio existentes no Hospital Nacional Simão Mendes, uma se encontra avariada já há algum tempo, a segunda doada pela OMS não está a funcionar devido a um problema técnico e, a terceira que produzia 124 botijas por dia, só consegue produzir 12 nos últimos tempos.
Aliás, a LGDH sabe que esta última fabrica cujo custo de aquisição e instalação foi suportado pelo Estado da Guiné-Bissau, teve a sua gestão estranha e duvidosamente concessionada a um privado que por sua vez, produz e vende o oxigénio ao referido hospital por um preço de 20.000 francos por botija.
3. O laboratório do Hospital Nacional Simão Mendes tem funcionado de forma deficiente devido à falta de reagentes, testes de despistagens, películas de raios X, impossibilitando o diagnóstico dos utentes; 4. O Banco de Sangue não tem conseguido fazer vários testes, devido a falta de kits. Em consequência, o processo de doações de sangue se encontra muito limitado; 5. Os medicamentos de distribuição gratuita têm faltado aos utentes sobretudo aos mais carenciados nos últimos dias, pondo em risco a saúde e a vida de muitos utentes; 6. Deficiente funcionamento de todos os serviços do Hospital Nacional Simão Mendes, devido a não transferência cabal e regular dos fundos prometidos. 7. Graves problemas de segurança nos diferentes departamentos do HNSM, em razão do não pagamento das obrigações contratuais com a empresa de segurança privada;
Para além destes graves disfuncionamentos da maior instituição hospitalar do país, há uma tentativa de fixação de novos preçários para os diferentes serviços e atos médicos, cuja consumação transformará o Hospital Nacional Simão Mendes numa clínica privada, com graves consequências aos utentes. Associados a estes problemas, o sistema nacional de saúde enfrenta tantos outros, tais como: a. Má distribuição dos profissionais de saúde pelas nas diferentes áreas sanitárias e inexistência de supervisão técnica de qualidade, tendo em vista a melhoria da produtividade dos recursos humanos b. Cobranças ilícitas c. Conflitos de interesses d. Politização exacerbada dos diferentes cargos intermédios nos hospitais, centros de saúde e nas direções regionais e. Indícios claros de corrupção e clientelismo f.
A imagem de ruína das infraestruturas em várias localidades do país, associadas ao ambiente insalubre das instalações; g. Falta de água e energia elétrica, entre outros. O quadro acima descrito, resultante, em larga medida, da redução da afetação de recursos ao Hospital Nacional de Simão Mendes tem apresentado consequências desastrosas para o funcionamento das suas estruturas e tem colocado em causa a vida, o bem estar e a integridade dos utentes e dos funcionários.
Perante a inoperância do governo, no que concerne à transferência dos fundos acordados para o Hospital Nacional de Simão Mendes, a LGDH enviou uma Carta aos Ministros da Saúde Pública e das Finanças, datada de 16 de fevereiro 2024, solicitando a sua intervenção urgentes com vista ao retorno do normal funcionamento do hospital. Infelizmente, até à presente data, não se obteve nenhuma resposta, o que demonstra o descaso e desinteresse por parte das autoridades competentes no endereçamento de um assunto de suma importância para os cidadãos.
Face a este quadro sombrio, com tendência de agravamento nos próximos tempos, a LGDH considera ser urgente a tomada de medidas para a sua reversão e exige o seguinte: 1. Abertura de um inquérito para esclarecer as circunstâncias da morte de três pessoas supostamente devido à falta de oxigénio; 2. Que o Ministério das Finanças retome com maior brevidade possível, as transferências integrais de fundos aprovados através dos despachos conjuntos dos Ministros das Finanças e da Saúde; 3. Que sejam abandonadas todas as iniciativas que visam fixar novos preçários para o acesso aos serviços e atos médicos; 4. A Aprovação de um estatuto remuneratório adequado às exigências do exercício da função dos médicos; 5. Exortar ao Ministério Público no sentido de investigar as circunstâncias que rodearam a concessão da gestão de uma das fábricas do Hospital Nacional Simão Mendes a uma entidade privada, sem nenhum concurso público; 6. A adopção de mecanismos de controlo, gestão transparente dos fundos e prestação de contas nos diferentes estabelecimentos hospitalares; 7. Despartidarização dos cargos de gestão e de direção dos hospitais e centros de saúde; 8. Criação de condições que permitam a cobertura universal da assistência sanitária no Hospital Nacional de Simão Mendes e a melhor gestão dos fundos provenientes do tesouro publico; 9. Reforma da Inspeção Geral da saúde tornando-a mais transparente, autónoma e funcional; 10. Estabelecimento imediato de um processo de diálogo franco, aberto, inclusivo e transparente com todas as organizações representativas dos médicos e enfermeiros com vista a impedir novas greves no sector da saúde;
Bissau, 27 de março de 2024 A Direção Nacional